- Não, mas foi por pouco – admite.
- Vocês estavam tão sérios assim?
- Pior é que não! – Ele dá uma gargalhada, antes de guardar o pó de café no armário. – Thaís sugeriu que fizéssemos a tatuagem como nosso presente de aniversário de um mês de namoro.
- O que ela queria? Corações iguais? O nome dela no seu braço e teu nome em cima da bunda dela?
- Antes fosse. Seu desejo era que eu tatuasse "Tata" do lado de dentro da boca, porque esse era o lugar favorito dela no meu corpo. – Ele segura a leiteira com água fervente, despejando-a no coador. O tom de piada não sai de sua voz. – E queria tatuar "Bebê" bem aqui nela. – Com a mão livre ele aponta para o baixo ventre, num sorriso que beira ao insano, que nem toda a ideia. Não seguro o riso quando pego duas xícaras de dentro de um armário com portas de vidro. – Ainda por cima, ela nem se se deu conta da ironia do negócio!
- Mas que ótima ideia! – zombo. – Como você pode dizer "não" a isso?
- Não faço ideia – diz, dando de ombros teatralmente. – Aposto que eu seria uma pessoa muito melhor se tivesse essa obra de arte no meu corpo.
Meu sorriso luta com um bocejo enorme e pego o celular do bolso para escrever uma mensagem curta a meu pai avisando que não voltaria hoje. Como ele sempre desliga o celular para dormir, sei que só irá ver o texto na hora do café da manhã.
- Você esteve bem próximo de virar mais uma imagem num post de site de humor – digo, com minha melhor voz de Patrícia Poeta, segurando o celular como se fosse um microfone. – Como se sente? Qual foi o impacto dessa experiência quase traumática em sua vida? – Seu rosto se contorce teatralmente em alívio e felicidade ao puxar o microfone para seu rosto.
- Eu não tenho palavras para expressar minha gratidão. – Seus olhos se arregalam e seu sorriso torna-se doentio, tornando impossível manter o rosto sério. Ele segura meu pulso, como uma subcelebridade que não quer sair dos holofotes. – Eu gostaria de agradecer, em primeiro lugar, a meus pais que me mantêm com o mínimo possível de dinheiro, para evitar open-bars, e por isso não tive como pagar as lindas tattoos. – Ele ri e olha para parede, apontando e acenando, como se tivesse alguém ali. – Ao CNPQ, seu lindo, que acha que a gente sobrevive com aqueles poucos dinheiros de bolsa. – Ele joga um beijo e pisca para a personificação invisível do CNPQ. – E, em último lugar, eu quero agradecer ao professor da academia da Thaís. Aquele sim salvou minha vida de uma série de decisões estúpidas. Cara, eu te daria um beijo se não soubesse por onde essa boca passou.
Bernardo solta meu pulso e imita o barulho de uma multidão, sem perder o sorriso. Enquanto busca o açúcar no armário, despejo café nas xícaras, que não está tão fraco quando imaginei que fosse ficar. Pela sua história, parece que alguém foi traído. Debato mentalmente a possibilidade de perguntar como ele descobriu a traição, sem irritar a pessoa que me fez café e ofereceu abrigo.
- Pelo menos não desperdicei muito tempo da minha vida – diz, um pouco mais sério.
- Quanto tempo?
- Três meses. – Seus ombros balançam, como os de quem tem três meses para dar e vender.
- Tudo isso?
- Não é tanto tempo assim... – Ele me entrega uma colher e empurra o açucareiro para meu lado.
- Se ela for tão doida quanto você diz, é tempo demais.
- Ela é bem convincente – explica. – A gente acaba esquecendo esses detalhes quando está perto da pessoa.
- Você quer dizer que ela tem um bundão ou um peitão ou os dois, e tudo isso te distraía de qualquer problema existente.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
General FictionJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...