Capítulo 19 - Jane

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"Dirija com cuidado" dizem.

Como se alguém fosse dirigir a 130 km/h sem checar o retrovisor a cada dez segundos. Porque dez segundos não é um número que você pode ignorar. Nesse tempo você percorre quase duzentos e cinquenta metros, o que é uma distância muito curta, caso precise diminuir a velocidade porquê o motorista da frente não consegue fazer uma curva sem afundar o pé no freio. Ou porquê surgiu um gato no meio da estrada e o mesmo motorista não entende que pode causar um acidente muito maior ao enfrear bruscamente ou então ao tentar desviar do bichano pela contramão.

Há certos momentos em que brutalidade é a melhor das piores opções. Junto com uma possível oração a um ser invisível, para o animal desviar.

Mas esse motorista hipotético não está na minha frente no momento. Durante metade de um Twenty One Pilots, não cruzo com nenhum outro carro. Esse tempo seria suficiente para tornar a situação suspeita durante o dia, mas como já passa da meia-noite, é compreensível.

Relembro dos detalhes do dia, cantando "Car Radio" com uma destreza fonética que só alcança quem repete a música até enjoar, e tento colocar em ordem todos os eventos: café da manhã com Bia e Lídia conversando em tom alto demais para ser compatível com o horário; trabalho e a chegada de uma nova remessa de livros da editora que sempre atrasa as entregas; E, por fim, ensaio com a banda, tendo Bernardo como plateia.

Quando paro e penso nas minhas últimas semanas, percebo que Bernardo tem se tornado uma parte constante em meus dias.

De imediato, posso dizer que não desgosto dele e isso é rótulo bastante. Ele é o tipo de pessoa que se importa com o que os outros pensam e, acima disso, ele quer agradar... exceto quando se aproxima demais de mim, tocando em lugares inapropriados, de um jeito que não me agrada, porque não leva a lugar algum – até agora.

Não que eu seja o tipo de pessoa que espera por algo acontecer. O problema é que Bernardo não é o tipo de pessoa com quem eu não espero algo acontecer.

"Você gosta de tê-lo por perto" diz a voz aguda em mim. Suspiro e acelero o carro, checando o retrovisor. As placas iluminadas pelo meu farol passam rápidas demais para ganhar minha atenção. Quero pegar essa voz, amassá-la e jogá-la pela janela, especialmente quando está certa.

Gosto de tê-lo por perto. Gosto da sua risada alta e sincera. Gosto dos seus olhos verdes que parecem examinar cada detalhe. Gosto de suas mãos quentes e de como sempre tenta inutilmente arrumar o cabelo. Gosto de como morde os lábios quando ninguém está vendo. Gosto de como sempre me manda mensagens perguntando se fiz os exercícios e de como copia a resposta correta, me oferecendo uma cópia, quando estou entediada demais para prestar atenção ou quando minha mente se perde criando músicas que nunca termino. Gosto inclusive do jeito como me provoca.

É isso mesmo? Estou me declarando mentalmente para alguém que parece amar meio mundo? Que patético, Jane. Você deveria saber melhor do que se gostar de alguém.

"Você não foi feita para esse tipo de relação" sussurra a voz de Mateus em meu ouvido. Preciso me lembrar de que é apenas uma lembrança de anos atrás, quando disse ao meu ex-não-exatamente-namorado que não o amava. "Você foi feita para mim, e isso não tem nada a ver com amor. Nós dois estamos sentados no topo do mundo olhando todo o resto que nunca vai nos alcançar".

Não. Nós estávamos sentados em cima do capô do seu carro, no meio do nada, tendo milhares de sóis iluminando a noite, testemunhando nosso egocentrismo e revirando seus olhos imaginários. Não era amor e eu não menti. Era apenas desejo de estar próximo de alguém, de ter alguém por perto, quando afastei todos aqueles que me amavam de verdade.

A fórmula matemática de Bernardo e JaneOnde histórias criam vida. Descubra agora