- NÃO! – reclamo – Nem pensar! Eu pre-ci-so ver essa menina. Você não está entendendo a dimensão do problema.
- Está tão claro quanto o Sol num dia azul. – Jane revira os olhos, encarando o teto do elevador. – Você está bêbado e ligou bêbado para uma garota. Vou te quebrar um galho e te deixar em casa.
- Mas aí eu não vou ser mais aquele garanhão. – Lógica simples. Hoje à noite eu preciso ser esse garanhão, seja ele quem for.
- Não que você fosse se lembrar de qualquer jeito. – Ela dá de ombros, inabalada pelo meu dilema.
- Você não sabe disso – rebato.
- Eu tenho certeza e, mais ainda, sei que ainda vai me agradecer amanhã. Ou depois, dependendo da ressaca.
A porta do elevador se abre e o porteiro levanta os olhos da televisão sobre o balcão, sem nenhum interesse em nós. Jane bate uma continência preguiçosa, e ele retribui.
O vento frio nos recebe quando saímos do prédio. Tento fechar o zíper do meu casaco, mas consigo cumprir a tarefa, provavelmente porque minhas mãos estão tão frias que devem ter começado a congelar. Essa me parece uma boa explicação.
Andamos em silêncio rumo à bicicleta. Ainda há um bom número de carros na rua, indicando que não vou chegar muito tarde na casa de alguém. Priscila, é esse o nome que Thaís falou? Paro ao lado da bicicleta e espero que Jane tire a chave mágica do peito e destrave o cadeado.
- Que foi? Tá precisando vomitar? Que merda, cara! – Ela me empurra para o lado, me afastando em direção à rua. – É melhor aqui fora de qualquer jeito. – Ela me encara esperando algo acontecer.
- Eu não vou vomitar – digo e afasto os braços, me soltando de suas garras, antes de voltar para a bicicleta.
- Tem certeza? – pergunta, com traços quase indistinguíveis de preocupação. – Você tá meio pálido – acrescenta. Balanço a cabeça em negação. Ela tenta decidir se acredita em mim ou não. Parece que sim, pois ela volta a caminhar, se afastando.
- Onde você tá indo? Minha bicicleta está bem aqui! - Aponto para o amado instrumento me levaria a Thaís e a uma noite infinita... que não parece ser hoje.
- Eu não vou deixar você conduzir qualquer coisa nesse estado. – Jane ergue os braços, como se eu tivesse falado um absurdo. – Arranje um espelho, chapa. Você sequer consegue andar em linha reta. – Ela segue pela calçada escura e deserta de pessoas, com a confiança de quem anda na sala de casa. – Vambora, Cinderela.
- E como eu fico? – pergunto, sem querer deixar para trás a bicicleta da esperança.
- Andar faz bem para curar ressacas. – Ela balança os ombros, ignorando minha preocupação. – Me agradeça amanhã.
- É... isso não parece nada certo – resmungo, mas sigo em seu encalço, mantendo alguns passos de distância entre nós.
- Então vai ter que descobrir, não é mesmo? – Ela para ao lado de um Honda preto e, apesar da iluminação precária da rua, reconheço o carro e os desenhos das laterais, imitando um tubarão.
Já vi Jane no volante desse carro inúmeras vezes. Em algumas delas, mexendo no computador ou lendo um livro. Em outras, com tralhas ocupando todos os espaços vazios (posso jurar ser quase impossível enxergar qualquer coisa no retrovisor). Como eu disse, ela não é a pessoa mais fácil de se esquecer.
Ela destrava o carro e, quando sigo para o carona, tropeço em uma pedra invisível. Isso a faz bufar repetidamente ao abrir a porta para mim, empurrando meus ombros para dentro do carro, em estilo policial. Jane se abaixa ao meu lado enquanto me acomodo com a menor quantidade possível de movimentos.
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A fórmula matemática de Bernardo e Jane
Genel KurguJane nunca se rendeu às convenções sociais. Por isso, seus bens mais preciosos são seu carro (restaurado por suas próprias mãos), sua guitarra (por ser mais portátil que seu piano) e um caderno preto com todas suas músicas (às vezes) inacabadas. Ber...