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Vila de Santos – Brasil - 1591

A jovem de longo cabelo trançado colocou a mão sobre os olhos para protegê-los do sol e olhou para o alto da pedra.

- Martim e João Guilherme, desçam daí! O almoço está servido.

Um menino com idade de dez anos e um rapazinho de quinze anos olharam para baixo e acenaram.

- Já estamos indo.

Com a agilidade nata dos meninos, Martim e João Guilherme desceram o conjunto de pedras até atingirem o chão com um salto sobre a terra branca da praia.

- Quantas vezes eu já lhes disse que é perigoso ficar aqui? – Leonor colocou as mãos na cintura, como tinha visto sua mãe fazer. – Essa pedra é muito alta. E se vosmecês caíssem?

Martim, o menino mais velho, riu da preocupação da irmã.

- Ora, Leonor... Subimos nessa pedra desde que nos entendemos por gente.

- Sim é verdade. – ela virou-se e começou a caminhar pelo macio terreno em direção a casa. – Mas agora vivemos tempos difíceis. O mascate disse que as Vilas de Santos e São Vicente sofreram ataques de piratas e índios não faz muito tempo. E se fossem vistos? – Leonor parou e olhou para os irmãos. – Não consigo me imaginar sem vosmecês. – ela abraçou os irmãos.

O rapazinho desvencilhou-se da irmã constrangido. Era um homem agora e sua irmã insistia em tratá-lo com se ele fosse uma criança.

O mais jovem, porém deixou-se abraçar. Ele sentia muita a falta da mãe, Judite. Mas Leonor estava sendo uma boa segunda mãe, pensou. Em seguida correu atrás do irmão mais velho.

Leonor cobriu os olhos com a mão olhando para o mar sem fim que se estendia à frente dela. Quantos males aquele mar podia trazer? Os mais velhos contavam as histórias de piratas que já haviam aportado naquelas praias.

Em 1582, enquanto viajava de Santos para o Rio de Janeiro, o jesuíta Jose de Anchieta não havia se escondido na Ilha de São Sebastião para fugir de Edward Fenton, o corsário inglês?

Sim, por quanto tempo a paz reinaria na região antes de chamar a atenção novamente daquele mar a fora?

A jovem correu para a casa.

A residência dos Duarte da Meira ficava na curva de um rio que desaguava no mar. O terreiro era amplo, de um lado ficavam os estábulos, do outro a horta e o viveiro de porcos e galinhas.

A casa não era luxuosa apesar de espaçosa. De paredes de taipa e cal, o teto era de sapê. Mas ali ela tinha liberdade e Leonor não a trocaria pela outra casa da Vila mais bem feita. Nela, além de Leonor e seus irmãos Martim e João Guilherme, moravam o pai Dom Bernardo que enviuvara dois anos antes e os escravos Maria e Bento.

Maria era uma índia que servira de ama de leite para Leonor. E era ela que vinha tão apressada ao encontro da mocinha quanto o seu corpanzil permitia.

- Ah minina Leonor! Donde vosmecê estava? Já estava quenem louca atrás! Anda, vem logo.

- Nossa mãe Maria! O que foi? Tenho certeza que meu pai ainda não chegou da Vila.

- Pois sim! – a índia praticamente arrastava Leonor pela mão. – Pois sinhô já chegou e troxe visita. com ele agora e mandou chamar a minina.

- Ele quem? – um calafrio percorreu o corpo de Leonor.

- Dom Constancio. lá com sinhô seu pai.

"Ai meu Deus, valei-me." pensou Leonor arrebatando as saias e correndo para dentro da casa. Leonor sabia o que Dom Constâncio queria com o seu pai. Da última vez que foram a Vila, o comerciante havia deixado bem claras as suas intenções.

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