Assim que a tropa desapareceu de vista, Agoirá e Igaracê voltaram para onde os escravos ficavam.
Leonor ordenou para as outras índias voltarem para a cozinha e foi atrás deles. Mas Mãe Maria a seguiu.
- Agoirá?
- Sim moça Leonor.
- Eu acho que deveria contar o real motivo que me fez pedir ao meu pai que vosmecês ficassem. Eu não queria que participassem do ataque a uma aldeia tupinambá. Como vosmecês iriam se sentir se fossem obrigados a escravizar um irmão?
Agoirá e Igaracê olhavam para ela como se não compreendessem o que ela dizia.
- É mentira! – disse Agoirá dando-lhe as costas.
Igaracê segurou o braço do outro.
- Agoirá endoidou? Desrespeitar assim a moça Leonor?
- Eu não sei por que você pensa assim, Agoirá. Eu só pensei no sofrimento de vosmecês. – Leonor explicou.
- No nosso sofrimento? – índio voltou-se para ela.
- Sim! De pensar que vosmecês iriam ver seus irmãos escravizados.
- Agoirá vê seus irmãos escravizados cada vez que olha para ele mesmo. – o índio batia no próprio peito enquanto avançava na direção dela.
Leonor recuou assustada com a violência das palavras dele.
- Agoirá! – chamou Mãe Maria.
O índio parou a centímetros do rosto de Leonor e virou-se para a velha índia.
Mãe Maria começou a esbravejar com ele em tupi e Agoirá respondia na mesma língua e mesmo tom.
Embora compreendesse muitas palavras em tupi, Leonor ficou confusa com o diálogo rápido. Mas Agoirá disse uma palavra que deixou Mãe Maria pálida como se tivesse levado uma bofetada.
Ele olhou para a moça enquanto falava. A expressão em seu rosto era como se o índio tivesse falado a palavra em claro português.
Leonor sentiu que toda a compaixão que sentira por Agoirá desaparecera por completo. Enraivecida ela avançou contra o índio.
- Seu selvagem miserável! – ela tentou acertá-lo no rosto. – Eu lhe mostro quem é a rameira.
Agoirá segurou o pulso dela e o torceu trazendo o corpo dela contra o seu. Ele a segurou firme sob os olhares estupefatos de Igaracê e Mãe Maria. Leonor debateu-se, contudo sem conseguir se libertar.
Mas ela era filha de Dom Bernardo Duarte da Meira. E uma das primeiras coisas que Dom Bernardo deu para a filha foi um punhal do qual ela nunca se separava. E a ensinou bem como usá-lo.
Leonor retirou o punhal da cintura e passou pelo braço de Agoirá.
- Ai! – o índio a soltou olhando surpreso do talho em seu braço para a lâmina na mão da moça. - Então moça Leonor não precisa de Agoirá para defendê-la.
O índio movia-se de um lado para outro e Leonor só o acompanhava com os olhos.
- Sim, meu pai me ensinou muito bem como lidar com qualquer desgraçado que me ameace. Seja ele um gentil homem ou um selvagem como você. – ela brandiu o punhal para ele.
- Moça Leonor, por favor, acalma! – pediu Igaracê. Mãe Maria acompanhava tudo impassivelmente. Parecia até que a velha índia sabia porque aquele embate acontecia.
- Deixe Igaracê! Agoirá quer ver do que moça Leonor é feita. Mostre para nós que vosmecê é realmente filha de vosso pai. A senhora branca dos escravos. Igaracê diz que vosmecê é bondosa. Pois eu digo que moça Leonor não é bondosa. É filha de Dom Bernardo.
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A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos
Historical FictionLeonor vivia sua vida simples e ordenada no seu pequeno paraíso. Corajosa, vivia com o pai e cuidava dos irmãos com desvelo de mãe. Mas, durante um ataque pirata à cidade em que vivia, tudo mudou quando cruzou o caminho de Thomas Horton, um dos coma...