Onze

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Finalmente nosso casal se encontra!

Leonor teve suas lembranças interrompidas ao ouvir uma grande sineta ser tocada e ver-se dentro da igreja. Sem que percebesse, D. Constancio a havia segurado pelo braço e a levava pela nave da igreja em direção aos bancos dianteiros.

O ilustre padre Marçal Baliarte estava diante da assembleia para oficializar a missa e esperou que a procissão encerrasse com a entrada da imagem de Jesus menino e que a mesma fosse depositada em uma manjedoura feita de palha seca.

A um sinal do padre Marçal, outro padre mais jovem, virou-se para um coral de crianças índias e elas começaram a cantar uma delicada musica sacra, jubilando-se e regozijando-se pelo nascimento do filho de Deus.

Ao final da música, o padre ergueu as mãos e abençoou a assembleia.

- In nomine patris et fili et spiritus sancti.

Os que puderam, sentaram-se nos bancos. As famílias mais ilustres da Vila de Santos estavam ali para ouvir as palavras do padre. Os Olinto de Siqueira, os Cubas, os Adorno, os Góis, os Martins e mais uma dúzia de potentados daquela terra. Mas uma ausência sentida por todos era D. Bernardo Duarte da Meira.

O padre discorreu sobre a importância do nascimento de Jesus nas vidas das pessoas. Ao final da homilia, ele virou-se de costas para a assembleia e levantou o grande receptáculo dourado que levava a representação terrena do corpo de Cristo no mistério da Eucaristia.

Nesse momento, em que todas as pessoas levantaram-se, ao som do sino, para adorar o corpo de Cristo e receber o que para eles era o pão da vida; uma grande explosão foi ouvida e houve uma grande confusão dentro e fora da igreja. Uma palavra começou a correr de boca em boca junto com gritos e imprecações.

- Piratas!

Leonor agarrou a mão de D. Eugenia e as duas correram para uma das saídas laterais. Foram barradas por um gigante ruivo cabeludo e barbudo como um momo.

As duas gritaram e correram de volta para onde estavam outras mulheres. Os homens haviam desembainhado as espadas e lutavam contra os piratas. Mas poucos homens portavam armas e eles foram rendidos.

- Isso é um ultraje! – bradou D. Brás. – Quem são vosmecês?

- Calem-se! – uma voz de trovão ecoou entre as paredes. – Eu sou o capitão John Cocke, comandado por Sir Thomas Cavendish, corsário de Sua Majestade a Rainha Elisabeth. E essa vila, seus pertences, navios e tudo o mais são propriedade da Coroa Inglesa.

Um murmúrio indignado respondeu a essa declaração.

Caminhando pela nave principal do templo, o capitão Cocke estava rodeado por mais quatro que agiam como seus seguranças e entre eles estava Thomas.

Ao olhar para os presentes, seus olhos azuis cruzaram com os olhos castanhos de Leonor e tudo sumiu ao redor deles.

Nem gritos ou o menor murmúrio era ouvido. Nem o agarrar de mãos ou o toque suave de uma pluma era sentido. Todos os sentidos estavam voltados um para o outro. O coração a martelar no peito, a respiração ofegante e o tremor das mãos e das pernas. Um raio os atingira naquele instante.

"Seria o olhar dela um imã que o atraía", pensou Thomas sem conseguir desviar os olhos dos dela.

"Seria o calor do corpo dele que incendiava o seu?" Leonor pensou sentindo o corpo queimar como se estivesse com febre.

Os dois miraram-se nesses segundos em que todas as perguntas foram respondidas, todas as preces atendidas e todos os desejos acendidos. Mas uma barreira de temor e ódio acabava de erguer-se entre eles. Pois Thomas era o odiado conquistador. Um pirata sanguinário que viera roubar-lhes a paz e os pertences. E assim sendo, ele não poderia sequer lhe dirigir a mais simples palavra.

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