Trinta

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            A noite daquele triste dia caiu. E com ela veio a apreensão dos homens da colônia.

Mulheres e crianças haviam sido levadas pelo filho de mestre Bartolomeu pela mesma trilha em que ele já havia guiado parte da população durante o ataque dos piratas.

Mas Isabel fora irredutível. Ficaria ao lado do pai e do marido. E de nada adiantou as ameaças de D. Brás. Se tivesse que morrer, ela morreria ao lado da família. Nunca se separaria deles novamente.

E Leonor, ao saber do iminente ataque, recuperou-se da apatia pela morte do irmão. Apesar da inicial recusa de D. Constâncio, ela provou ser de grande ajuda.

O ataque foi maciço e ruidoso. Os índios estavam sedentos de sangue, e alguns colonos haviam sucumbido.

As lembranças do ataque indígena que vitimara a mãe vinham na mente de Leonor e ela deu graças aos céus por João Guilherme não mais presenciar a carnificina.

Dividindo-se em atirar e recarregar as armas, Leonor nem tinha mais noção de quanto tempo durara o ataque. Em um momento, um grupo de índios conseguiu invadir a casa dos Siqueira, sem que eles percebessem.

Logo a tão cuidada sala de D. Eugenia havia se transformado numa praça de guerra. Dois dos empregados de D. Constâncio estavam mortos por flechas. Mas nenhum dos índios que invadiram a casa saíram dela vivos.

D. Eugenia, por causa da idade, estava escondida na adega. A pobre mulher rezava agoniada, tendo por companhia a índia Genoveva e Mãe Maria, tão velhas quanto ela.

Enquanto isso, as índias mais novas, entre elas Carmo, cuidavam dos feridos. Mas sem que ninguém percebesse, Carmo pegou uma das facas dos homens e sorrateiramente avançou para D. Constâncio para mata-lo pelas costas.

Agoirá viu a movimentação da índia e, antes que ela pudesse apunhalar o português, ele a deteve.

Irritada, índia ainda tentou puxar a mão; mas o aperto de Agoirá era férreo. Vencida a índia deixou a faca cair.

O barulho chamou a atenção de Leonor que olhou estupefata para os dois índios. A expressão de Carmo era, ao mesmo tempo, culpada e belicosa. A de Agoirá estava impassível como sempre. Ao olhar a faca aos pés da índia, Leonor entendeu o que se passara.

Mas haveria tempo para admoesta-la. A jovem fez um sinal para o índio leva-la para outro cômodo da casa e voltou-se para recarregar a arma em suas mãos.

- D. Constâncio, estamos ficando sem munição! – disse um dos empregados.

- Alguém mais tem pólvora? – perguntou outro empregado.

- Esperem! Esperem! – pediu D. Constâncio. – Estão escutando?

- Nada. – respondeu Leonor.

- Isso mesmo. Os gritos, as corridas. Tudo cessou.

- Acha que eles foram embora? – perguntou Leonor.

- Não. Estão se reagrupando. – avisou Agoirá. – O primeiro assalto é sempre o maior. Eles agora estão recolhendo os mortos e feridos. Sabem que usamos grande parte da munição.

- O que vosmecê quer dizer com isso bugre?

- Que o segundo assalto é sempre o mais mortal.

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