Quatro

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            Leonor estava olhando para o mar diante dela quando ouviu a voz de Martim.

- Leonor! O pai vos chama!

- Já estou a ir.

Ela arrebatou as saias e correu para a casa. Os animais já estavam selados e prontos para a partida. Dom Bernardo já estava paramentado para a viagem até a Vila de Santos.

Leonor admirou a figura máscula do pai. Nenhum homem se comparava a ele naquelas paragens. Dom Bernardo era tão alto e sólido quanto o tronco da mangueira que dominava o terreiro da fazenda. Era uma pena que o homem que ele escolhera para marido da filha não fosse nem a metade do homem que era.

- Sim, meu pai. Já estou aqui.

- Bom. Por que ficas a ver esse mar? Quero chegar à vila de Santos antes do anoitecer, criança. Vais pelo rio com João Guilherme e Mãe Maria. Igaracê e Agoirá conduzirão o barco.

Leonor ficou contente. Igaracê era um jovem guaianase que fora trazido para Rio Santo ainda adolescente. Fora catequizado pela mãe de Leonor e seu nome cristão era Paulo Afonso. Mas Dom Bernardo achava que chamá-los pelo nome indígena era manter viva a herança de seu povo. Tornava o índio mais forte. Opinião da qual discordava vários amigos de Dom Bernardo.

Leonor gostava da companhia de Igaracê, por que era quando tinha oportunidade de treinar o seu tupi.

Entretanto, do outro ela tinha um pouco de receio. Agoirá era um tupinambá, que fora capturado e escravizado por seu pai. Leonor tinha a impressão que Agoirá só aguardava a oportunidade de fugir. E, se para isso, fosse preciso matar toda a família, ele o faria.

- Menina Leonor não precisa ter medo de Agoirá. Igaracê a protege. – disse Igaracê em tupi.

Leonor ficou feliz por que conseguiu compreender tudo que ouvira do índio.

- Eu sei disso, Igaracê. Mas temo que ele lhe faça mal. E ele não seria louco de fazer-me mal. Meu pai o esfolaria vivo.

- Senhor de Igaracê bem faria isso mesmo.

Eles olharam para a tropa que agora se preparava para partir.

- Igaracê! – chamou Agoirá indicando o pequeno barco. Igaracê correu para ajudar o outro a colocar a canoa nas águas calmas do rio.

- Igaracê dobrava-se para moça branca. Igaracê bichinho de moça Leonor.

O outro balançou a cabeça em negativa.

- Agoirá errado. Menina Leonor boa. Pensa diferente do pai.

A menção de Dom Bernardo, Agoirá estreitou os olhos.

- Há! Nenhum branco pensa diferente. Para eles somos todos animais.

- Menina Leonor diferente! – teimava Igaracê. O jovem deixou o outro e foi ajudar Leonor com os baús.

- Não! Menina deixa. Igaracê leva.

- Eu ajudo Igaracê.

Mas o índio pegou o baú sem nenhum esforço e o colocou sobre os ombros. Leonor então pegou a imagem de Santa Catarina e, tomando João Guilherme pela mão, rumou para o barco. Mãe Maria a seguiu de perto.

Apesar de receosa, ela acenou com a cabeça cumprimentando Agoirá. O índio ignorou a gentileza da moça e, quando Igaracê se acomodou na outra ponta da canoa, ele a empurrou na direção do rio. Com agilidade, pulou para dentro do barco e começou a remar em dupla com o outro índio.

A Terra e o Mar - o encontro de dois mundosOnde histórias criam vida. Descubra agora