O tropel de cavalos chamou a atenção de D. Brás que se ocupava em consertar uma das janelas quebradas durante o ataque dos índios.
Envolto em uma nuvem de poeira vinha D. Bernardo com cara de poucos amigos. Avistou Thomas que se ocupava em serrar uma prancha de madeira.
- Vosmecê! – ele disse em tom acusatório se encaminhando diretamente para Thomas até estar face a face com ele. – Se vosmecê se aproximar de minha filha novamente, eu não respondo por mim.
Thomas olhou para o homem furioso à sua frente e entendeu que seu envolvimento com Leonor havia sido de alguma forma deturpado. Fez um sinal para deter D. Brás indicando que ele mesmo resolveria a questão.
- D. Bernardo, eu amo sua filha. – declarou sem medo.
- Canalha! – D. Bernardo desferiu um soco no rosto de Thomas.
O inglês respirou fundo antes de endireitar-se enquanto D. Brás segurava D. Bernardo.
- D. Bernardo! O que é isso homem?! Se acalme!
- Esse maldito está a ponto de desgraçar a minha filha e pedes para acalmar-me? Eu quero mata-lo.
Thomas olhou para D. Brás serenamente.
- D. Brás, pode soltá-lo.
O outro olhou para Thomas como se ele tivesse perdido o juízo. O inglês apenas assentiu com a cabeça.
Relutantemente, D. Brás afastou-se de D. Bernardo. O jovem olhou para o homem mais velho com a mesma fleuma, o que surpreendeu o pai da moça.
- O senhor não falou com Leonor, não é?
- Eu não tenho nada para falar com ela. Basta-me saber que vosmecê a rodeia como um abutre...
- Ela me ama! – Thomas elevou a voz pela primeira vez. – Nós nos amamos. Eu já matei um homem por ela, traí meu comandante, desisti de ir embora e estou aqui à disposição das autoridades dessa colônia por ela. Eu preferiria morrer a fazer mal a Leonor. Ficaria honrado em tê-la como esposa, mas compreendo que nada tenho a oferecer a ela no momento a não ser minha devoção eterna.
- D. Bernardo, ouça o rapaz. Ele está aqui de peito aberto aceitando seu julgamento precipitado. Vosmecê baseia-se nas palavras venenosas de D. Constâncio, tenho certeza. Devia ouvir primeiro o que Leonor deseja também. – interviu D. Brás.
- Leonor deseja o casamento com D. Constâncio, ela me disse. – rebateu D. Bernardo, sem mencionar que havia presenciado os sinais de que a filha nutria um sentimento profundo pelo jovem que agora o encarava perplexo.
Thomas olhou para D. Brás como se buscasse ajuda e o português colocou a mão no ombro dele.
- Não te afliges. Isabel me contou sobre Leonor. De sua tristeza com o compromisso com D. Constâncio. Com certeza há mais coisa nessa história do que estás a saber, D. Bernardo. Mas agora, venha. Vou chamar Isabel para que ela mesma te conte tudo o que sabes. E quanto à vosmecê Thomas, vais botar um emplasto nesse inchaço. Com certeza, não estás mais bonito.
O inglês se afastou não sem antes fazer um aceno com a cabeça a guisa de cumprimento a D. Bernardo.
- Vês? O jovem é de valor, meu amigo. Vosmecê o agrediu e ele nem revidou ou perdeu a calma. Agora D. Constâncio...
- D. Constâncio não teria razão de difamar minha filha de propósito. – insistiu D. Bernardo.
- Estou lhe dizendo, meu amigo. Vosmecê está enganado em relação a D. Constâncio. Aquele homem é uma cobra peçonhenta. – respondeu D. Brás quando eles entraram na casa.
- E vosmecê está baseando suas suspeitas na palavra de um pirata?
- Este homem salvou a mim e minha família da morte certa.
- Ah D. Brás... Pelo amor de nosso Senhor Jesus Cristo. Piratas mentem, roubam como se respirassem. Eu não ficaria surpreso se Cavendish não estivesse aí, escondido em algum buraco só esperando um sinal desse biltre.
Antes que D. Brás respondesse, um dos empregados entrou na sala.
- O que é Francisco?
- D. Brás, tem dois soldados vindos de São Vicente querendo falar com o senhor.
- Faça-os entrar, Francisco.
- Pois não senhor. – o empregado saiu e voltou acompanhado dos dois soldados.
- D. Brás. D. Bernardo. – um dos soldados cumprimentou os dois fidalgos.
- Capitão Azevedo. – D. Brás adiantou-se para apertar a mão do capitão. – O que traz vosmecê à minha casa?
- Queria eu que fosse uma visita, D. Brás. Estou aqui para levar o pirata Thomas Horton.
- Ora... E por que? D. Thomas já não provou que quer ajudar a colônia?
- Mas isso não apaga a forma que ele chegou aqui.
D. Brás socou uma mão na outra.
- Por Deus! O homem teve a oportunidade de fugir com os piratas! Não o fez, salvou a mim e minha família e ainda nos ajudou contra os carijós. Na minha opinião apaga qualquer coisa que os outros piratas tenham feito.
Atraídos pela voz alterada de D. Brás, Isabel e Thomas vieram da cozinha e tomaram conhecimento dos fatos.
- D. Thomas é um homem de valor. Estou disposto a me responsabilizar por ele.
O inglês adiantou-se.
- Não é necessário isso, D. Brás. Mais cedo ou mais tarde nós sabíamos que isso aconteceria. Eu resigno ao meu destino.
Um dos soldados já se adiantava para prender as mãos de Thomas com uma corda.
- Não! Meu pai, faça alguma coisa. – Isabel pediu. – D. Bernardo, Leonor morrerá de desgosto de D. Thomas for executado.
A lembrança das lágrimas da filha enquanto queimava o ferimento do pirata fez D. Bernardo tomar uma atitude.
- Não. Espere Capitão. Eu me responsabilizo pelo rapaz.
D. Brás olhou para D. Bernardo primeiro com surpresa depois com alivio.
- D. Bernardo, com todo o respeito, o senhor sabe que qualquer crime realizado por este homem, o senhor também será responsabilizado? Se ele fugir, o senhor arcará com as consequências.
- Eu ajudei a fazer as leis dessa colônia, Capitão. Estou a par de tudo. Deixe-o.
Enquanto o soldado desamarrava as mãos de Thomas, D. Bernardo se aproximou dele.
- Estou fazendo isso por que sou um homem considerado justo, rapaz. E não aceito que você seja punido pelos atos de outros. Mas lhe aviso: Mantenha-se longe de minha filha, ou vai preferir ter sido preso.
- Eu lhe agradeço a confiança, D. Bernardo. E confio que Deus lhe mostrará o quanto eu posso ser digno de sua filha.
Sem responder, D. Bernardo cumprimentou os outros com um aceno de cabeça e saiu da casa de D. Brás. O capitão Azevedo e seus soldados também se retiraram sem demora.
D. Brás sentou-se pesadamente em uma das cadeiras.
- Jesus Cristo! Pensei que D. Bernardo ia matar-te Thomas.
Thomas sorriu com a calma que lhe era característica, mas por nada no mundo ele confessaria que o pai de sua amada o havia assustado.
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A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos
Historical FictionLeonor vivia sua vida simples e ordenada no seu pequeno paraíso. Corajosa, vivia com o pai e cuidava dos irmãos com desvelo de mãe. Mas, durante um ataque pirata à cidade em que vivia, tudo mudou quando cruzou o caminho de Thomas Horton, um dos coma...