Vinte e sete

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            Leonor e Isabel voltavam cabisbaixas do cais. A portuguesa olhou para a amiga e, pela primeira vez, não soube o que dizer.

Isabel de Proença dava graças a Deus por ter se apaixonado pelo homem que seu pai escolhera para ela, um homem tão calmo e tranquilo quanto ela.

Ela nunca soube o que é sofrer por amor e as paixões como a de Leonor lhe eram desconhecidas também.

Por que ele não ficara e lutara por seu amor? Por que não a colocou sobre um cavalo e fugiram os dois por esse mundo a fora? Mas Isabel sabia a resposta dessa pergunta. Leonor nunca deixaria a família. A honra da família justificava qualquer sacrifício. Não foi por isso que ela manteve a palavra do pai no compromisso com D. Constâncio mesmo odiando-o?

E, sendo assim, o que ela poderia dizer a Leonor, cujo sofrimento só aumentava. Pois agora que ela entregara seu coração ao tal Thomas Horton e vivenciara um amor pleno e correspondido, nada mais poderia satisfazê-la em um casamento vazio. E com um homem da espécie de D. Constâncio.

Quando as duas chegaram na casa dos Cubas, havia um homem ajoelhado no chão abraçado à um dos filhos de Isabel.

O som dos saltos delas ressoou no chão de madeira e o homem se levantou e virou.

- Paulo! – Isabel soltou-se de Leonor e correu para o homem. Os dois se abraçaram e D. Paulo acariciou os cabelos da esposa.

Leonor sentiu-se emocionada com a cena. E agradecida também. Afinal, uma coisa boa naquele dia.

Ela olhou para Carmo que se juntara a ela e disse:

- Vamos Carmo. Vamos voltar para casa.

Leonor tinha uma suspeita que sua ausência nem seria notada pelo casal.

***

D. Brás, Thomas e Pedro atracaram o barco e correram para dentro do forte.

Lá, um silêncio sepulcral reinava. D. Brás se dirigiu ao principal prédio do complexo, onde ficava o mestre das armas.

- D. Antônio? – ele chamou entrando no prédio. Manchas escuras marcavam o chão e D. Brás abaixou-se para olhar melhor e constatou que era sangue. – D. Antônio?

- Ele não pode mais responder. – disse uma voz atrás deles

Os três se viraram e viram um rapaz novo amparado por uma espécie de muleta. Suas roupas estavam sujas de terra e sangue e seu rosto jovem mostrava cansaço e tristeza.

- Vosmecê quem é rapaz? – perguntou D. Brás.

- Sou Henrique, filho de D. Antônio.

- Onde estão todos?

- Morreram. – declarou o jovem estoicamente. – Eu levei um tiro na perna. Só sobrevivi por que meu pai tombou sobre mim. O senhor é D. Brás, não é?

- Sim. Estávamos presos como reféns. Marcados para morrer. Mas ele nos livrou. – D. Brás indicou Thomas ao seu lado. – Pedro, vá até a casa das armas e veja o que aqueles canalhas deixaram para nós.

Henrique balançou a cabeça.

- Na casa de armas não há mais nada, D. Brás...

- Quer dizer que estamos indefesos?

- Não, D. Brás! Meu pai era uma raposa matreira. – o rapaz riu, mas a dor em suas costelas o fez arfar. – O que tinha na casa de armas era somente o "boi de piranha". Venham comigo.

O trio seguiu o rapaz de andar claudicante cruzando o extenso pátio. Ele ergueu o que parecia uma cortina de folhas revelando uma pequena gruta.

- Eles nunca vieram até aqui e poucos homens do forte sabiam de sua existência. Numa noite, meu pai, eu e outros dois homens de confiança, trouxemos tudo para cá. Muita pólvora e armas. Desde o último ataque, ele sempre dizia que eles iriam voltar. Que Edward Felton tinha ido embora muito pacificamente.

- Então ele resolveu esconder o grosso de nossas armas.

- Sim. Tínhamos poucos homens. Do que adiantaria deixar um carregamento inteiro exposto?

- Foi realmente muito engenhoso D. Brás. Eles enganaram a todos direitinho. Cavendish achou que vocês não tinham armas. – elogiou Thomas. Imaginem se ele soubesse de todo esse armamento?

- Como vosmecê sabia o nome do capitão pirata? – perguntou Henrique.

- Por que Thomas era um deles. – esclareceu D. Brás sem delongas. – Mas ele nos ajudou a escapar e nos avisou sobre o ataque dos índios.

- Índios?

- Sim, menino. E agora temos que levar essas armas para terra firme. Sem armas, não teremos a mínima chance.

Quando Henrique adiantou-se para puxar as caixas, Thomas colocou-se ao seu lado para auxiliá-lo.

O rapaz mexeu bruscamente como o corpo e perdeu o equilíbrio, caindo no chão. Thomas estendeu sua mão a ele.

- Largue de mim, seu pirata! – Henrique bateu na mão estendida.

- Eu só queria ajuda-lo. Vi que você está com a perna machucada. É ruim fazer esforço.

- Eu não preciso de sua piedade! Vosmecês chegaram aqui e acabaram com todos. – ele cuspiu no chão com ódio.

- Sim, eu fui um pirata. Mas nunca matei ninguém que não merecesse ou ameaçasse minha vida. Nunca roubei ou estuprei nenhuma mulher. Fui o pior exemplo de pirata que pudesse haver, nas palavras do próprio Cavendish. E sabe por quê?

- Por que, na verdade, vosmecê é um padre. Mas, como vosmecê gosta da sua cabeça entre os ombros, embarcou no primeiro navio que viu. Ou então um santo. Fala a verdade.... Vosmecê é um santo, não é? – brincou Pedro.

A pergunta do rapaz era tão estapafúrdia que Thomas sorriu.

- Não sou um santo. Longe disso. E também nunca quis ser padre. Eu apenas descobri que vale a pena defender a vida. – Thomas olhou para Henrique. – Você tem todo o direito de me fazer responsável por tudo. Cavendish e todos os outros foram embora. Eu aceito o meu destino como ex-pirata. Mas, não me furto do direito de ajudá-los no que for possível. Depois, a gente vê o que acontece. Está bem assim? – ele estendeu a mão para o rapaz novamente.

Henrique hesitou, mas acabou estendendo a mão para Thomas.

- Se já acabaram com a filosofia, temos muito a fazer ainda. – disse D. Brás.

O grupo começou a tirar as armas da gruta e levá-las o mais rápido possível para o barco.

Com o barco cheio, eles o empurraram para a água e ajudaram o jovem Henrique a subir no barco. D. Brás, Thomas e Pedro Cubas nadaram ao lado do barco e os levaram para a praia.

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