Durante aquela longa madrugada, Leonor levantou-se sobressaltada. Tinha a certeza de que ouvira alguém lhe chamar. O calor era opressivo e ela resolveu tomar um copo de água.
Ao chegar na cozinha, viu que D. Eugenia não abdicara de sua posição de enfermeira.
Penalizada, a jovem tocou o ombro da idosa senhora.
- D. Eugenia, já estás na hora de vosmecê descansar. Deixas que eu olho pelo doente.
- Ah minha filha... Queria muito poder esticar esse meu corpo cansado. Ficas com ele algum tempo para que eu possa descansar? Pobre de mim que tenho um irmão sem coração... – em seu cansaço, a senhora deixou escapar a reclama.
- O que a senhora diz? Estás até agora aqui por causa de D. Constâncio.
- Ele me encarregou de velar pelo doente. Forte cisma de homem... Não querias nem que vosmecê chegasse perto... Também, um moço tão bonito, não é de admirar que Constâncio sinta ciúme de ti. – a senhora afastou-se rindo do gracejo.
Leonor suspirou indo pegar o seu copo de água. Como D. Eugenia estava perto da verdade. O sentimento que a unia à Thomas estava ali calado, amordaçado pelas ameaças de D. Constâncio, mas uma centelha brilhava constante, só esperando uma brecha para fulgurar indômita novamente.
Ela foi até o catre onde estava Thomas. Ela pousou a delicada mão sobre a testa do rapaz verificando se ele estava com febre. Soltou a respiração aliviada ao ver que não. Inclinou-se acima dele para verificar o ferimento. Não havia vermelhidão ou rigidez em torno do ferimento.
Sentou-se ao lado dele. Doía-lhe vê-lo tão indefeso. Algumas palavras indistintas começaram a escapar pelos lábios dele.
- Alice...
Leonor engoliu em seco. Ele chamava pela esposa morta
- Não, meu querido. Sou eu Leonor. – ela lhe tocou o rosto.
- Leonor... Brava...
- Não. Não estou brava. – ela murmurou. – Só triste.
- Ela é brava... Valente... Mas não quero deixa-la, Alice. Você entende?
Ele parecia conversar com a morta. Leonor fez o sinal da cruz. Thomas franziu a testa como se estivesse se concentrando ou irritado.
- Se eu pudesse... Eu a levaria para Glastonbury ver o lago de Avalon. Você se lembra, Alice? Nós costumávamos nadar nele no verão...
Leonor sentiu-se estranha ao ouvir as palavras dele. Raiva daquele fantasma que tanto havia significado para o seu amor.
Era ridículo sentir ciúme de uma morta, mas Leonor queria que ele soubesse que ela estava ali ao seu lado. Ajoelhou-se ao lado dele, acariciando seu rosto.
- Vê meu querido? Estou aqui contigo. Por favor, fique bom logo. Temo tanto por ti... Preciso te proteger daquele criminoso com quem devo me casar, mas sozinha não conseguirei. Preciso da tua coragem e da tua força, Thomas. É Leonor que vos fala. Volta para mim, meu amor. Volta para mim... – a moça murmurava próxima ao ouvido dele.
Ele virou a cabeça da direção dela como se, finalmente, tivesse escutado sua voz. Os olhos entreabriram-se devagar.
- Leonor... Eu a amo...
Lágrimas de felicidade escorreram pelo rosto da jovem. Ele estava ali com ela. Pôs-se a cantar, baixinho, uma canção que sua mãe sempre cantava.
![](https://img.wattpad.com/cover/61950267-288-k778500.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Terra e o Mar - o encontro de dois mundos
Historical FictionLeonor vivia sua vida simples e ordenada no seu pequeno paraíso. Corajosa, vivia com o pai e cuidava dos irmãos com desvelo de mãe. Mas, durante um ataque pirata à cidade em que vivia, tudo mudou quando cruzou o caminho de Thomas Horton, um dos coma...