" Sou obrigada a continuar, porque, embora isso não se aplique a todas as pessoas da Terra, é verdade para a vasta maioria: a morte não espera por ninguém - e quando espera, em geral não é por muito tempo. '' - A menina que roubava livros;
Ainda lembro daquele dia. Eu tinha 10 anos, e estava brincando com a minha Barbie na sala enquanto minha mãe fazia o jantar. Meu pai chegou, no mesmo horário de sempre, mas ao invés de me pegar no colo e brincar comigo, ele se sentou no sofá e ficou olhando para o vazio. Eu achei muito estranho, mas era melhor não perguntar porque a mamãe sempre dizia que os adultos costumam ficar tristes por qualquer coisa e que nunca era bom perguntar o porquê.
Minha mãe colocou minha comida no prato e disse para eu ir jantar no quarto, e ver um pouco de tv. Eu toda inocente, fiquei super feliz porque quase nunca a mamãe deixava assistir tv enquanto comia. Era falta de educação ou algo assim.
Eu cheguei no quarto e liguei a tv pequeninha que tinha em cima da minha escrivaninha. Por sorte, estava passando o meu desenho favorito: As três espiãs demais. Eu amava esse desenho.
Quando eu ia começar a comer, percebi que tinha esquecido o suco, e para mim era muito chato comer sem beber alguma coisa. Então, eu resolvi ir até a cozinha pegar um copo, não faria mal. Bom, pelo menos eu achava que não faria. Porque hoje percebo que foi a pior coisa que eu fiz. Não que eu não fosse descobrir, mas na minha mente de 10 anos de idade, aquilo foi muito pra mim.
Eu cheguei na ponta da escada e ouvi meus pais conversando baixinho. Eu sabia que quando eles conversavam baixinho, era assunto de adulto e que eu não devia escutar. Assim, eu desisti de pegar meu suco e estava voltando pro quarto, quando escutei:
-E o que o médico disse, querido?
-Ele disse que eu fiz o certo a procurar um médico assim que percebi o carocinho na minha barriga, já que eu nunca tive um. Já que eu procurei cedo, as chances de cura são grandes.
-Mas você sabe que câncer é um assunto muito difícil, Bernardo. Como vamos conversar com a Bia?
-A Bia não pode saber, querida.
Tarde demais.
-O que é câncer? - Eu disse, tentando lembrar de onde eu tinha ouvido aquela palavra já. Pelo que eu me lembrava, era uma doença. O papai estava doente?
Eles tomaram um susto quando me viram ali e não demorou muito para minha mãe se exaltar:
-BEATRIZ! EU NÃO FALEI QUE ERA PRA VOCÊ FICAR NO QUARTO?
-Ana, calma. - Meu pai disse - É melhor ela saber agora do que ficar prolongando isso.
E aí ele me contou que de fato, estava doente. Que o câncer era como uma pedrinha que estava dentro do estômago dele, mas que como ele tinha ido ao médico cedo, as chances de ele ficar bom eram altas, mas que podia demorar um pouco.
Como ele se tratou, o tumor desapareceu depois de dez meses e muitas quimioterapias. Meu pai teve que raspar o cabelo, e suas sobrancelhas ficaram ralas. Mas depois que o tumor desapareceu, tudo voltou a crescer.
Estava tudo ótimo, até dois meses atrás, seis anos depois da descoberta da doença.
Eu estava na escola, quando a secretária veio me buscar na sala dizendo que minha mãe tinha vindo me buscar para me levar para casa. Eu estranhei muito aquilo, porque minha mãe nunca vinha me buscar, por confiar muito em mim, então deveria ser algo muito importante.
Ela não me falou nada até chegarmos em casa.
-Filha, tem um motivo para eu ter te buscado na escola mais cedo. A uma hora atrás, me ligaram do hospital da cidade e disseram que seu pai foi internado as pressas enquanto trabalhava. Eu não sei o que aconteceu ainda, mas provavelmente é alguma coisa relacionada ao câncer que ele teve anos atrás e nós precisamos ir pra lá correndo.
Meu Deus. Não. Aquilo não podia estar acontecendo. Meu pai não podia estar doente novamente. Ele tinha se cuidado... O que tinha dado errado? E porque depois de tanto tempo?
Era só o que eu pensava enquanto estávamos a caminho do hospital.
Quando chegamos lá, o médico disse que meu pai estava em estado crítico. Ele tinha passado mal no serviço, e desmaiado. Eles ainda precisavam fazer vários exames, mas a principal suspeita era que o câncer havia voltado. E como era a segunda vez, poderia ser pior que a primeira.
Ficamos umas duas horas esperando o resultado dos exames. Quando o médico voltou, disse que sim, o câncer tinha voltado e que sim, era pior do que o da primeira vez. Muito pior. Porquê dessa vez, o câncer do estômago fez metástase. Ou seja, tinha se espalhado para outras partes do corpo dessa vez atingindo também o fígado e o intestino delgado.
As chances dele sobreviver eram pouquíssimas, mesmo fazendo tratamento, porque o câncer já estava em um nível muito avançado.
Ele permaneceu internado, e depois de 2 meses, a 2 dias atrás, ele faleceu.
Agora, eu e minha mãe acabamos de voltar do enterro. Toda a família e os amigos dele vieram prestar homenagens, mas nós duas preferimos voltar para casa rápido para não ficar sofrendo mais do que já estamos.
Parece que meu mundo caiu. Ver meu pai dentro de um caixão, e depois ser enterrado foi a pior dor da minha vida. Eu sei que essa dor vai passar um dia, mas sinceramente, não parece que vai ser tão rápido. Tudo está tão silencioso em casa, e assim que entro no meu quarto, eu desabo em choro. Parece impossível aceitar que eu nunca mais vou vê-lo.
Acho que de tanto chorar, acabei pegando no sono. Quando acordei, já eram seis horas da tarde e minha mãe estava na sala vendo tv. Estava quieta, e eu sabia que por dentro ela estava chorando tanto quanto eu, embora quisesse se mostrar forte para mim. Ela era casada com meu pai há 20 anos e eu sabia que a dor dela era e ainda é a maior de todas.
Me sentei ao seu lado e encostei minha cabeça em seu ombro. Ela passou o braço por trás de mim e me abraçou. Ficamos quietas, cada uma com a sua dor.
E a única coisa que eu sabia era que eu tentaria de tudo para fazer essa dor passar logo.
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Eu Te Amarei - Completo e Revisado
RomantizmO amor é uma coisa doida mesmo. Todos, em uma parte da vida, estão a procura dele. Uns rastejam e se humilham. Sofrem até demais. Mas outros, dão a sorte de achar o "amor perfeito" na primeira vez em que tentam. Mas nunca é fácil de se manter um sen...