Capítulo 13

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Anahí

- Você sente frio?

Ele era belo de se ver e sentir...

Em meio s tanta tristeza e feiura, a minha vida pareceu, pela primeira vez, valorizada. Aquele estranho de olhos profundos e calmos deixou meu corpo amarelado e frágil, aquecido. Era um cobertor simples, mas era um cobertor. Algo que desde que cheguei em Milão não tive acesso e o inverno intenso não facilitava minha noites.

As ruas eram cruéis e as pessoas que viviam nela quase sempre tentavam se aproveitar da minha solidão. Eu sabia que na sociedade tradicional onde as famílias eram treinadas a ser perfeitas, fugir de casa era uma afronta. O que de certa forma foi para a minha família, mas não daquela maneira, não de forma ruim. Eles teriam se livrado de mais uma despesa, se livrado de mais um peso, como costumavam me chamar. Não era algo que me afetasse tanto, pelo contrário, eu era odiada por ser a mais nova de sete filhos e a menos privilegiada também.

Mas naquele momento isso não era algo que eu quisesse lembrar e sim na probabilidade de alguém ter sido bom comigo. Um estranho sem desejo no olhar, ou repulsa.

Eu era suja, mal arrumada e largada nas ruas. Não haveria escolha pior que aquela. Fiz de tudo para me manter limpa, mas quando não se tem um lar as possibilidades de higiene são mínimas.

Abaixei a cabeça envergonhada em ser acolhida por alguém com belos trajes e uma expressão poderosa. Aquele jovem rapaz com certeza teria dinheiro suficiente para me dar uma casa ao invés de um cobertor, mas realmente aquilo já era o suficiente para mim.

Eu não queria que ele fosse embora e meu coração apertou por pensar em ficar sozinha novamente. Depois da gentileza aquilo era quase impossível de impedir. Ele ia se afastar para cumprir minha previsão quando segurei sua mão fazendo aquele par de olhos verdes me encarar outra vez. Calada, fiquei extasiada por alguns segundos, concentrando apenas antes de falar alguma coisa.

- Obrigada - disse tímida.

Ele sorriu gentilmente e apertou minha mão.

- Não se preocupe. Apenas cuide bem disto - avisou apontando para o pedaço de tecido marrom envolvido sobre os meus ombros.

Não sorri como queria por vergonha de ter que mostrar os meus dentes tão amarelados perto daqueles tão brancos e limpos.

Mesmo assim tive que retribuir o carinho, e dei um breve riso fechado, elevando apenas o canto da boca.

E como o esperado, ele se arrumou para continuar seus passos.

Aqueles olhos...Verdes e agradáveis me deixaram sobre a calçada, pensativa e solitária. Sem destino. Que propósito aquilo teria em minha vida? Me questionei múltiplas vezes sobre a veracidade daquela ação impensada.
Ele teria idade para ser meu namorado, mesmo eu sendo tão nova e nada atraente.

Saltando, abri os olhos e percebi que teria escurecido rápido demais. A cama estava arrumada, mesmo eu estando sobre ela. Olhei ao redor e confirmei que estaria sozinha.
Respirei fundo e pensei no sonho. O tal sonho de sempre. Era uma recordação distante, mas que nunca pareceu fazer sentido.

Sentei na beira da cama por alguns minutos até me levantar para pegar uma caixa vermelha escondida na parte de cima do guarda roupa.

Assim que abri, passei a mão pelo tecido envelhecido e desbotado relembrando o quanto aquele sonho mexia comigo.

Se aquele mesmo rapaz, hoje supostamente um homem feito, me visse, jamais seria capaz de me reconhecer.

Eu era bonita sim, e não precisava ser modesta quanto aquilo. Tinha que admitir.
O sorriso que guardei naquele dia, hoje eu o daria sem medo.

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