Capítulo 62

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Anahí

As malas deixadas do lado de fora foram pegas pelo funcionário do hotel que as levou até o táxi. Fechando a conta, Alfonso discutiu os últimos acertos, e para passar o tempo eu andei um pouco pelo Hall até chegar numa espécie de escultura em formato de fonte que derramava água em uma cachoeira planejada.

Sentei na beirada de mármore e vi que no fundo haviam muitas moedas.

Instintivamente levei a vista até um aviso gravado no porcelanato

"fonte dos desejos".

Nas crenças de uma criança aquilo era possível. Uma simples moeda era capaz de mudar a sua sorte. Por um momento de reflexão, tirei uma moeda de dentro da bolsa sobre minhas pernas e a joguei na fonte, com os olhos fechados fazendo o tal pedido.

Depois que reabri os olhos novamente a imagem de Herrera cruzou comigo.

Ele estava sentado bem na minha frente com o olhar vago.

- O que foi isso?

- É uma fonte dos desejos - respondi envergonhada pela infantilidade da crença.

- Sei... - disse divertido - E eu posso saber o que a senhora pediu?

- Se eu falar não vai ser realizado.

Mesmo com a minha imposição, Alfonso permaneceu duro, me encarando na espera da resposta. Revirei os olhos e fiz um sinal negativo com a cabeça soltando o ar bruscamente.

Antes de matar a curiosidade dele, matei o clima descontraído em que estávamos.

Com o novo semblante triste estampado no rosto eu o fitei por alguns segundos.

- Pedi por sua vida, e por um milagre.

Aquilo foi mesmo que dilacera-lo em pedaços. A expressão de ânimo sumiu e o meu marido levantou.

- Não devia pensar nessas coisas. Vamos, levante, temos que partir.

O caminho de volta não foi frio como esperei que seria. Ele me abraçava e falava coisas aleatórias sobre trabalho. Coisas que eu claramente não entendia. Mesmo assim Alfonso fez daquela conversa uma obrigação.

- Estamos casados agora e é importante que você entenda mais sobre os negócios da família - soltou depois de perceber a clareza na minha face. Ele sabia que eu voava no assunto.

- Não sei se posso ajudar muito.

- Tenha fé Anahí. Não há nada demais.

- Alfonso, eu não sou advogada e muito menos doutoranda como você. Só terminei o colegial porque tive esse dever.

Por um minuto fui desafiada no olhar.

- Você precisa se esforçar nisso. Por favor, faça isso por nós. - justificou segurando minha minúscula barriga.

O frio dissipou pelo meu corpo e eu estremeci. Foi um pedido com súplica, com necessidade. Alfonso estava nitidamente nervoso com a minha negação, e não parecia nada tranquilo com o fato de eu ainda permanecer decidida.

- Eu falei com a minha assistente pessoal - completou convincente - Ela vai ficar responsável por você durante um tempo, até que se adapte ao trabalho.

- Parece que tudo foi planejado antes de eu saber ou concordar.

- Não me interprete mal, se fiz isso foi porque acredito no seu potencial em dirigir todo o nosso patrimônio. Será preciso.

Aquela última justificativa me tirou do sério. Com um olhar estarrecido levantei da poltrona e fiquei firmemente de pé 'trocando farpas' visuais com ele. Herrera acompanhou todo o meu movimento com a visão.

- Você é tão cruel. Porque tem que agir o tempo todo como se fosse embora? Porque perdeu sua fé Alfonso? Onde ela está?

Ele não me disse nada por um bom tempo. Ficamos apenas no silêncio das nossas almas perdidas.
A aeromoça foi obrigada a se aproximar de mim me alertando autoritária depois de todos os seus chamados serem ignorados.

- Por favor, senhora, se sente e ponha o cinto. Já vamos aterrissar.

Sem tirar desviar nossos olhares, eu me sentei e fiz o que ela mandou. O jato pousou no aeroporto, e antes mesmo de nossas bagagens serem liberadas, eu desci e fui na direção da saída. Alfonso não acelerou os passos para me acompanhar. Ele fez tudo devagar me deixando livre.
Sem olhar para os lados eu entrei num dos táxis disponíveis na entrada e me sentei. O homem que já esperava dentro do carro, ajeitou o retrovisor para me olhar.

- Aonde deseja ir?

- Apenas dirija.

Depois de sair tão depressa eu apenas recostei a cabeça no vidro e chorei. Perambulando por Milão sem rumo, como eu me sentia naquele momento. Mas uma coisa me deixou ainda mais intrigada. Depois de longos minutos perdida pelas avenidas me deparei de frente com um prédio nada desconhecido.
Inda recuada repensei, e quase desistindo, paguei o taxista e desci.
Os funcionários me olhavam em cumprimento enquanto cada vez mais eu me aproximava do destino final.

Peguei o elevador, cumprimentei um casal de idosos que não me pareciam estranhos, inclusive com eles ocorreu o mesmo, mas por fim não tentei lembrar.
Assim que cheguei ao respectivo andar, andei mais alguns metros até parar de frente a longa porta marrom. Toquei a campainha e aguardei.

Minhas mãos tremiam e o chão parecia romper por debaixo dos meus pés, então a porta abriu e Ricardo me recepcionou trajando uma roupa despojada de alguém prestes a dormir. Ele me olhou surpreso e não disfarçou isso. Eu mesma parecia não ter saliva para umidificar os lábios. Eles estavam secos.

- Anahí.

- Você me deixaria entrar?

Ele se esquivou e liberou a minha passagem trancando a porta logo em seguida. Olhei em volta do lugar e tudo era da mesma forma que me lembrava. Tudo estava no mesmo lugar. Familiarizada com o ambiente, caminhei até a sala e esperei Lafaiete se aproximar.

- Eu ainda não sei o que dizer, mas estou feliz com a sua visita.

- Desculpe a forma repentina que cheguei. - expliquei com os olhos começando a marear - Não sei por que vim parar aqui.

- Não precisa de motivos para vir me ver. Apenas venha.

Conforme ele falava, seu corpo se aproximava mais ao meu.

- Sei que disse e fiz coisas ruins há você, e peço que me perdoe por isso, até porque foi recíproco. Mesmo assim Ricardo eu venho aqui me expor e dizer que não sei o que fazer com tudo o que está acontecendo comigo. É uma sensação muito difícil de lidar e às vezes é como se nada fizesse sentido.

- Está falando de Alfonso e a doença dele?

- Sim - respondi fraca.

- Primeiro eu queria te pedir que esqueça tudo o que eu falei sobre me escolher ao invés dele. Você tem razão, eu fui muito egoísta e ridículo.

- Ricardo, não.

- O que eu quero dizer é que você não precisa se cobrar tanto. Seja livre para errar e entender que muitas coisas estão além da sua compreensão.

- Eu amo ele.

- E vocês casaram - ele disse num tom levemente amargo.

- E eu não devia te obrigar a me ouvir falar essas coisas.

- Anahí, você não está sozinha.

"Você nem imagina o quão solitária me sinto, mesmo carregando essa vida dentro de mim".

Derrubando a parede invisível que nos separava, Ricardo me aconchegou em seus braços e me ouviu chorar soluçante, num silêncio respeitador.

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