Capítulo 41

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Anahí

- Você era tão jovem e suja... - ela disse aquilo com certa dor - Tanta que precisei mais do que vê-la para reconhecer, mas quando o banco de dados mostrou sua internação anterior juntei tudo na mesma hora.

Como alguém te aborda daquela maneira, sem dizer nem ao menos o seu nome, embora o crachá que ela carregava estivesse escrito "Penny Morales" para mim a enfermeira continuava sendo uma estranha que fez o meu pesadelo passar de sonhos ruins para uma realidade pior ainda.

Meus olhos estavam paralisados com cada palavra que saia daquela boca.

- Pare! - falei esfregando os olhos num gesto pensado e ela se calou - Porque está falando sobre isso? O que você quer?

- Me desculpe menina - a mulher ficou desconcertada com a minha maneira de falar, tanta que me senti levemente mal pelo ato - Só fiquei feliz por você estar bem, e tão bonita.

- Eu que peço - rebati soltando o ar, envergonhada - Essas não são boas lembranças e não subi lidar com o fato de você me fazer revivê-las.

Em reposta, a mulher se sentou na cadeira ao meu lado e olhou para frente, sem me dar um pouco mais da sua compaixão.

- Eu tenho uma filha da sua idade, e naquela época seu caso me chocou muito. Você era pequena, emagrecida, com o olhar perdido. Nunca esqueci seu olhar... - naquela hora ela já me encarava com compaixão - Olhos tão azuis e ao mesmo tempo tão negros.

A vontade de sair dali aumentou. Meu corpo gelou e tudo em mim parecia esfriar, conforme as lembranças me perseguiam. Quando não achei possível aquilo se tornar pior, a última tacada dela me atingiu, me atravessando como uma espada afiada.

- O rapaz daquele que lhe ajudou naquele dia, até hoje faz doações para o nosso hospital.

- Você o conhece? - levantei desesperada pela resposta - Sabe quem é? - aquilo não perecia uma pergunta, mas sim uma suplica. Um clamor.

- Sim. Ele é embaixador de uma ONG aqui perto chamada Senz'anima freddo. (Frio sem alma).

Depois dos detalhes que ela me revelou, meus joelhos foram ao chão e eu chorei. Minhas lágrimas vieram regadas de um gemido desconsolado. Senti vontade de gritar, correr e ir ao tão desejado encontro dele. A pobre mulher ficou confusa com a minha reação, tentando juntar os restos que sobraram de mim. Agradeci a bondade dela a andei para fora dali. Precisava ir atrás dele, agora!

~~

Ele era um simples homem...

Um alguém capaz de destruir todas as estruturas de uma ponte de concreto, destruir famílias com um simples olhar casual. Sua sensibilidade estava num sorriso discreto dado de presente a uma criança entristecida do outro lado da avenida, sobre a calçada molhada pela chuva do fim da tarde. Como alguém teria compaixão de um ladrão? Pensei solitária, me recobrindo do frio. Aquele homem era real como o respirar, mas sufocante como a sede. Eu queria tanto correr para o outro lado e lhe agarrar em meus braços sem nenhum medo de ser rejeitada; agarrar seus cabelos e passar os dedos por eles como um pente, apenas pelo simples prazer de servi-lo. Era admissível tanta admiração por alguém desconhecido? Sim era, e eu me culpo por isso a cada manhã que desperto de mais um sonho envolvendo aqueles olhos verdes penetrantes como uma cobra prestes a dar o bote em sua presa. Nada era de propósito, apenas realizado, sentido, desvanecido e ao mesmo tempo firmado.

Qualquer um diria que o amor não existe ou está longe de ser algo acessível na sociedade atual em que continuamos vivos. Mas qual o sentido de uma vida sem amor? Por muito tempo eu vivi oculta por trás de máscaras invisíveis, fingindo um "ser" inexistente.

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