Capítulo 23

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Anahí

Eu havia passado o resto da noite naquele apartamento.

Depois da visita que recebemos dos seus familiares, decidimos estender para um jantar. Nós dois entramos na cozinha juntos, mas foi emocionante ver como tudo naquele lugar estava diferente da última vez que eu tinha entrado lá. Havia velas longas espalhadas por toda a mesa e balcão, e se meu olfato não falhasse, tinha certeza de sentir que em algumas delas expirava odores agradáveis "velas aromáticas" típico de alguém detalhista.

Na mesa estava posto dois pratos, um em cada ponta, sugerindo que ficaríamos nos encarando na maior parte daquela noite.

Foi estranho passar tanto tempo com alguém considerado de certa forma, um estranho.
Mas quem dorme com um estranho duas vezes?
Achei engraçada a minha insegurança em compartilhar coisas novas como ele.

Conversamos bastante, dividimos muitas taças de vinho, champanhe, sem pensar no amanhã. O resto seria previsível.
Passamos praticamente toda a noite trocando fluidos e desejos inacabados.
Aquele homem sabia muito bem como me convencer a ter muito mais que uma relação amorosa simples, mesmo nós dois estando longe de sermos simples.

O sol estava lá, eu sabia, mas as cortinas deixavam o ambiente escuro demais.
Levantei da cama devagar pegando de dentro da bolsa um vestido leve que ele deu de presente depois de quebrar o zíper da minha calça.

A nossa noite tinha me deixado extremamente animada e disposta naquela manhã, e como eu era uma boa menina, decidi não acorda-lo.

Seu sono era invejável. Ele parecia realmente exausto.

Andei até a cozinha e peguei um copo de água, aproveitando para olhar um pouco através da janela. De dia aquela vista era muito mais atraente.

A neve discretamente derretendo sobre as sacadas e placas me fazia voltar no tempo.
Um lugar onde as coisas deviam ser mais fáceis.
Afastei o pensamento desagradável que estava prestes a brotar na minha mente e com isso acabei sendo fisgada pela pia repleta de louça. Foi inevitável não rir daquilo. Era engraçado pensar que a empregada de alguém tão rico como ele faltasse naquele dia.
Eu podia até deduzir que ele pediu que ela não fosse.

Olhei para os lados e procurei uma esponja e sabão. Foi então que me dei conta de que tudo naquele lugar era elétrico. Jesus!

Eu não gostava de lava louças. Sempre preferi fazer tudo àquilo com as próprias mãos.

Depois de muito revirar as prateleiras achei um local onde ficavam os materiais de limpeza e vi uma esponja ao lado de uma barra de sabão. Muito justo.

Comecei como tinha aprendido há muitos anos. Primeiro os copos e taças, depois as coisas mais sujas, como colheres e pratos.

Involuntariamente cantarolei algumas canções quanto movimentava o corpo em passos simples. De um lado ao outro. Lembrando das coreografias da boate.

- Bom dia.

O som daquela voz rouca e sensual me fez virar, perplexa. Alfonso estava encostado na bancada de porcelana, admirando a minha imagem como um monge inglês.

- Muito bom - respondi provocativa, voltando a ensaboar o copo que tinha nas mãos.

- Acordou animada, mas insisto que deixe isso onde está.

- Não crie caso. Eu gosto dessa tarefa.

- Anahí, deixe isso e venha se ocupar comigo.

Ele deu a ideia já encostando seu membro duro nas minhas costas, provocando uma nova onda de prazer por todo o meu corpo. Minhas pernas ficaram rígidas enquanto meu líquido sexual aumentava. Seria boa uma nova maratona a dois, mas eu realmente precisava voltar para casa naquele dia.

- Onde encontra tanta energia?

- Em você.

Ele não demorou em responder. Alfonso realmente parecia dizer uma verdade dolorosa. Então decidi mudar o assunto.

- Você não pareceu feliz quando sua irmã falou sobre a ceia de Natal.

- É complicado.

- De que forma?

- Essas reuniões familiares me chateiam muito. Não gosto dessas formalidades.

- Você não tem cara de um homem informal. Pelo contrário, a julgar seu banheiro, quarto e closet extremamente organizados eu duvido que não seja formal.

Com uma risada ele se recostou novamente na bancada, mas desta vez logo atrás de mim me dando a liberdade de continuar lavando os pratos.

- Sou organizado, confesso, mas não me divirto quando reúno minha família. A maior parte dela é composta por interesseiros, investidores fracassados e os que vivem nas minhas asas. Como meu irmão, por exemplo.

- Realmente. Muito divertido - enfatizei revirando os olhos só de imaginar como devia ser aquela ceia.

Senti pena de Alfonso.

- Você devia aceitar o convite delas.

- Eu? - Quase engasguei ao responder - Não acho que seria uma boa ideia. Não conheço ninguém lá e não posso deixar minha amiga sozinha. Além disso, digamos que o Natal não é uma das minhas datas favoritas também.

Ao ouvir minha própria voz dizendo aquelas palavras, algo dentro do meu peito se comprimiu. A minha garganta ardeu e o mal estar se instalou por alguns segundos. Agradeci por estar de costas, e Alfonso mãos conseguir ver meu semblante.

Eu sabia lidar com aqueles sentimentos muito bem, há anos, então foi simples ignorá-los.

- Sua amiga será muito bem vinda. - ressaltou de braços cruzados me observando enxugar as mãos e organizar a louça limpa - Não se preocupe com a data, ela não me traz nada de significativo. Pelo menos não mais. Não prometo uma noite divertida para as duas, mas espero melhorar a minha e a de vocês.

- E sua mãe?

- Ela vai torturar minha vida agora que viu você.

Arrancando o papel que enxugava minhas mãos, Alfonso passou o dorso de seus dedos sobre o meu queixo acariciando meu lábios com o polegar.

- Vai passar o Natal com alguém?

- Apenas nós duas.

- Então está decidido.

****

Na volta pra casa, pensei em como aquela situação se complicava cada vez mais.

Como eu tinha me envolvido a tal ponto de aceitar participar de uma reunião familiar. Quem Alfonso ia achar que eu era?

Como fingir ser uma mulher convencional quando o meu passado e minha vida era meu maior documento de identificação?

Era para ser um encontro casual, algo que não ultrapassasse o desejo sexual, mas naquele instante eu sabia que não era apenas atração física. Nós tínhamos mais que apenas um fogo mantido a brasas.
Com ele eu me sentia apenas uma mulher comum, fazendo coisas comuns como jantar e conversar sem se preocupar com o tempo ou o preço daquilo.
Beijar apenas por sentir vontade de dar e receber carinho.

Foram apenas duas noites, e nelas eu tinha me sentido mais feliz do que em todas que passei com qualquer outro que fosse.

Quando contei sobre o convite minha amiga pareceu animada. Mesmo hesitante ela demonstrou sua empolgação dizendo que enfim nós faríamos mais que comer pipoca e ver os fogos serem lançados no céu através da nossa varanda.

Eu não era uma mulher sensitiva muito menos crente em coisas de acaso, mas algo dentro de mim dizia que aquela não seria uma ceia de Natal comum.
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