Capítulo 39

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Anahí

Era uma tarde bonita, com o movimento sereno dos carros na avenida, mas para mim não podia ficar pior. Na sala, as caixas de papelão cheias dos pertences de Dulce amassavam meu coração. Ela enfim se vai... Não era um 'enfim' feliz, pelo contrário, eu estava arrasada por definitivamente estar sozinha mais uma vez na vida. Era longe de ser escolha, longe de ser vontade. Era a minha penitencia por fazer coisas erradas durante tanto tempo, sem me importar com uma vida digna. Talvez a oferta que Lafaiete tinha me feito teria sentido. Ele era o único homem que estaria disposto a se casar comigo ciente de tudo. Eu devia?

O rosto meigo da minha amiga adentrou no quarto dando pausa nas minhas reflexões sorrateiras. Ela carregava uma bandeja cheia de coisas comestíveis. Havia frutas e dois tipos de suco. Como Dulce conseguiu equilibrar tudo aquilo?

- Incomodo?

- Claro que não.

- Veja. Eu trouxe essas coisas ótimas para você comer - disse pondo a bandeja bem na minha frente.

- Obrigada. Pode deixar na mesinha que comerei mais tarde.

- Anahí, você precisa comer. Se continuar assim vai adoecer.

- Vou comer. Só estou sem fome agora.

Desconfiada, ela largou a bandeja onde sugeri e veio para o meu lado, sentando na cama me pegando nos braços. Encaixei-me no seu colo, aninhada como um bebê. Dulce massageou minha cabeça, brincando com meus cabelos.

- Queria que fosse mais perto.

- O que?

- A cidade para onde vou. - esclareceu - Assim seria mais fácil vir te ver.

- Você precisa construir sua vida.

- O que tem haver? Posso fazer isso contigo perto, oras.

Dei uma curta risada e agarrei ainda mais o quadril dela.

- Vamos nos ver Dulce. Eu não vou morrer.

- Mas se continuar sem comer direito no mínimo vai sumir! - repreendeu, me dando um beliscão. Com isso ela arrancou uma segunda risada minha.

- Vou sobreviver.

- Espero que sim, porque preciso de você.

Levantei naquele instante para olha-la nos olhos, cheia de entusiasmo, esperando um semblante feliz. Dulce Maria estava feliz, eu pude sentir isso. Talvez fosse o certo a se fazer. Se tivesse recusado o pedido de Lessa, ela ia ser afetada e não merecia aquilo. Minha dor, pela primeira vez, valeu a pena. Não foi em vão.

- Sempre estaremos juntas, mesmo com vidas diferentes.

- Sinto muito por tudo o que esta acontecendo com você, mas se Alfonso não foi capaz de sentir a verdade dos seus sentimentos. Meus pêsames para ele.

- Não o culpo nem um segundo sequer. Eu menti.

- Se fez isso, teve os seus motivos. Ele no mínimo deveria compreender.

Repensando sobre as falas dela, balancei a cabeça tirando de mim a ideia de que merecia perdão. Eu não merecia nada.

- Vamos deixar isso no passado. Certo?

Vencida pela minha 'cortada' Dulce se calou e afirmou com uma expressão derrotada.

- Nossa! Lembrei agora que falta pôr a minha bandeja de incensos na caixa da mudança - disse se levantando de uma vez.

- Vai levar as suas macumbas? Devia se livrar delas - retruque dando gargalhadas.

- Não é macumba! - rebateu, também gargalhando.

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