Capítulo 40

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Alfonso Herrera

"Ovos, leite, trigo..." mexi os ingredientes dentro da vasilha de vidro, tão rápido, desesperadamente que a empregada apenas me olhava pelo canto dos olhos, assustada com a minha atitude repentina de fazer panquecas. Ela tinha hábito de me ver cozinhar, sempre, mas não com aqueles modos.

Enquanto calculava a medida da massa numa concha, as cenas de Anahí deitada sobre a minha cama reluziram como reflexos de um sonho. Ela sorria, satisfeita pelo orgasmo alcançado, pelas minhas mãos contando cada polegada do seu corpo, amassando-a como um artesão.

Nesse desdenhar, a raiva me fez lançar o recipiente de vidro na parede, destruindo a peça valiosa.

- Vá se foder, Anahí! Sai da minha cabeça, merda!

Gritei aquela súplica ignorando o semblante de susto da minha funcionária. A mulher andou depressa, com um pano nas mãos, limpando a minha sujeira.

Recostei os cotovelos no balcão e agarrei a nuca. Tremi quando foi possível sentir o sabor dos beijos dela sob os meus lábios. Aquele gosto era amargo dentro da garganta. Parecia uma cena clichê de romance antigo, mas eu fazia o papel da mocinha desiludida.

Aquelas lágrimas eram reais? Questionei quando a imagem da nossa última conversa se juntou as demais que pairavam ao meu redor.

"- Nunca menti sobre os meus sentimentos..."

Mentiras não apagavam nada.

- Beba isso senhor Herrera - a faxineira me mostrou um copo preenchido até a metade de um líquido amarelado e reconhecível.

- Até você? -reclamei virando o rosto para a oferta. - Minha mãe devia ter limites.

- Por favor, faça isso.

- Esse remédio não me faz bem como dizem. Essa porcaria me deixa péssimo!

- Mas o senhor não o toma há dias. Ela exigiu que eu lhe recordasse disso.

O olhar leigo da mulher parecia temeroso. Ela não sabia a utilidade daquele líquido, mas parecia saber da sua importância. Me recusei a pôr aquela coisa em minha boca novamente, mas acabei sendo convencido pela postura insistente dela. A faxineira ficou, durante alguns minutos, na mesma posição, com o braço esticado na minha direção, segurando o copo em oferta.

Dando de ombros, cansei de vê-la se humilhar pela minha obediência e acabei bebendo aquilo com uma ânsia absurda.

- Não volte a me oferecer isso, entendeu? - ressaltei colocando o copo vazio sobre a pia - Dona Helena não paga seu salário, e sim eu.

Revoltado, sai do cômodo com a náusea da medicação que ainda amargava minha boca.

Ou era o sintoma de outra coisa?

Não foi algo que quis cogitar.

Naquela tarde o escritório estava lotado de afazeres. Agradeci por isso. Quanto mais trabalho, melhor, para arrancar pensamentos desnecessários. Se algo me incomodava, o trabalho se ocupava em lançar "isso" longe. Enquanto separava alguns papéis deixados por Suzy para que eu assinasse, me distrai, até Lafaiete entrar na minha sala, seguido por um homem de paletó preto.

Levantei o olhar rapidamente apenas para confirmar que era Ricardo.

- Algum problema? - perguntei já de cabeça baixa, voltando a realizar as assinaturas.

- Esse homem veio tratar do fim da nossa parceria.

Pausei a caneta, e voltei a levantar o olhar. Os dois pareciam duas maquetes fixadas no chão da minha sala. Recostando na cadeira, enlacei os dedos e continuei fixo neles.

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