Capítulo 20

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Alfonso Herrera

Foi um pouco humilhante.

Eu encarava o celular sempre que alguma notificação chegava. Era desgastante fantasiar os possíveis motivos dela não ter me ligado, nem sequer uma mensagem de texto com a menor palavra que fosse.
Pensei se todo aquele silêncio teria relação com a nossa última noite, ou se ela não teria gostado de algum detalhe.
Anahí me pareceu bem à vontade ao meu lado naquele dia, então não haveria motivos para ela se afastar daquele jeito.

Mesmo com tantas questões na cabeça, uma coisa eu sabia fazer muito bem. Ignorar os problemas e trabalhar.

Se ela não quis telefonar, os motivos eram dela. Minha rotina de reuniões e trabalho árduo precisavam continuar.

Todas as negociações com novos clientes iam bem, juntando o meu grande contrato com a R. Dress. Em um desses encontros tive que fazer algumas viagens desgastantes, visitando filias em outros estados. Eu sempre fazia aquilo no mínimo uma vez a cada três meses.

E como dizia meu pai "As coisas só andam quando o dono está por perto"

Entrei no apartamento com as mãos cheias de papéis, fora os que estavam dentro da pasta preta que carregava. Larguei esses mesmos contratos sobre a mesa do meu escritório para poder analisá-los em outro momento, agora eu precisava apenas descansar.

De forma relaxada, depois de me servir de uma dose de Single Malt, andei pela cozinha procurando se havia algo para comer, mas antes que meus olhos alcançassem a comida algo mais perturbador me arrancou a atenção. Meus dedos vibraram e por um segundo pensei que deixaria cair aquele copo de uísque das minhas mãos.

Alice usava uma calça jeans com uma regata branca. Um traje bem confortável para alguém que acabava de invadir o apartamento de outra pessoa.

- Como entrou aqui? - questionei, pondo o copo sobre a bancada.

- Ainda tenho as chaves.

- Alice, você não pode chegar na minha casa dessa maneira.

- Foi à única forma de não ser mais ignorada por você, Herrera.

Segurei com o indicador a ruga que havia acabado de se formar no meio da minha testa, pedindo para que ela me acompanhasse até o outro ambiente, mas Alice se negou.
Decidiu ficar ali, sentando sobre uma cadeira alta antes de alguma intervenção minha.

- Dormimos juntos naquele dia - continuou.

- E foi um grande erro - culpei.

- Se arrepende de ter ficado comigo? - Consegui sentir o abatimento dela.

- Não, foi bom, mas isso não significa que tenha sido correto.

- Pensei que tivéssemos passado dessa fase de proibições. Fomos noivos e convivemos juntos. O que mais falta, Alfonso? Quero que me dê os motivos para não ficarmos juntos de novo.

Segurando delicadamente na mão dela, beijei o dorso de ambas e olhei no fundo dos seus olhos. Alice era linda de se ver, com certeza, mas precisávamos esclarecer algumas coisas.

- Nosso relacionamento foi desgastante demais. Ficamos longe por muito tempo e foi melhor assim. Entenda que foi o melhor.

Eu precisa acreditar naquilo ou faria algo injusto.

- Me desculpe pelo que estou fazendo - ela me surpreendeu ao dizer aquilo - Acho que posso estar confusa.

- Não se preocupe com isso.

- Entre nós foi tão bom e real que às vezes queria viver tudo outra vez. Mas você tem razão. Nosso tempo já passou e agora somos outros.

Quase agradeci aos céu por finalmente estar ouvindo aquilo dela. Eu gostava daquela mulher, tanto que queria vê-la bem, mas dispensar Alice me deixou deprimido. Mais do que pensei que fosse ficar.

No fundo eu gostaria de dar mais uma chance para nós. Ela estava de cabeça baixa, olhando o chão, distante, e com o mesmo silêncio se levantou e caminhou devagar para a saída da cozinha. Então, antes que ela ficasse muito longe de mim, impedi, segurando sua mão direita.

Eu estava furioso em ser rejeitado por Anahí. Precisava retirar aquela sensação logo, ou ficaria muito corrompido.

Os olhos dela se cruzaram com os meus e foi como um chamado. Puxei aquele mesmo braço e nossos corpos foram colados no mesmo instante em que a beijei. Alice ficou supressa nos primeiros segundos, mas logo se rendeu ao meu toque, retribuindo.

Não foi nada mais que um beijo. Ela pareceu satisfeita.

Depois de deixá-la em casa, dirigi pela avenida principal. Como era tarde, fiquei parado perto do sinal, esperando um caminhoneiro terminar de fazer a manobra que impediu o seguimento de vários carros. Usei esses mesmos minutos para considerar o que tinha acabado de fazer.
Fui um canalha mais uma vez.
Para mim foi difícil ouvir em tão pouco tempo a mesma proposta. Primeiro minha mãe, e agora Alice, ambas falavam sobre estar na hora de eu acalmar as coisas na minha vida.

Eu ansiava por uma família e Alice estava disposta a me dar isso, completamente.

Quando os carros começaram a se mover, percebi que estava incomodado demais para voltar em casa. Esse pensamento me levou a fazer uma visita a Ricardo. Ele devia estar acordado, já que não dormia cedo.

Frente aquela porta escura, fiquei por quase cinco minutos, parado, esperando desde que ouvi sua voz me pedindo para aguarda-lo. Lafaiete então apareceu na porta com uma face perturbada até resolver falar.

- Alfonso - meu nome pareceu o de um fantasma vindo da boca dele.

- Foi o que eu disse. - repeti, me referindo ao fato de já ter dito isso quando ele perguntou gritando quem era - Vamos ficar aqui fora?

- Desculpa. Pode entrar.

Assim que entrei, ele me encaminhou pelo corredor, mas seus passos pareciam mais apressados que os meus. Ricardo estava aparentemente desconfortável com a minha presença, e não precisava ser um perito no assunto para perceber.

Ignorei para ver até onde ele chegaria com aquilo e como esperado, não foi muito longe. Dando um murro sobre a parede da sala ele disse muitos chingamentos antes de retomar a visão novamente para mim.

- Aconteceu alguma coisa que eu não saiba? - Perguntei.

- Ela estava aqui e fugiu.

- Quem? - antes que ele respondesse, eu mesmo deduzi - Hm, a mulher misteriosa.

- Agora posso concordar que ela é misteriosa. Não pensei que fosse sair dessa maneira.

- Mas como? Não passou por nós.

- Madness conhece bem esse lugar. Ela deve ter saído pela porta de emergência que fica um pouco depois da área de limpeza.

- Então a culpa acaba sendo minha. Cheguei em péssima hora. Devia ter avisado.

- Relaxa, Herrera. Ela ia fugir com ou sem você aqui. - dizendo isso ele deu um gole guloso na sua taça de vinho tinto, deixando apenas os restos do que devia ser uma dose bem carregada - Vamos beber e falar sobre a sua visita repentina. Deve ser interessante o motivo do homem mais correto que eu conheço aparecer essa hora por aqui.

Ele tentou ser receptivo, e foi. Nós bebemos e conversamos muitos assuntos, menos sobre trabalho. Quando tentei falar algo sobre contratos, Lafaiete me interrompeu e disse que me jogaria pela janela se eu continuasse. Levando em conta a sua indisposição e alcoolismo, não apostei e me calei, falando sobre Alice. Ele também conversou sobre a mulher dos sonhos e em como ela estava deixando sua vida difícil.

Senti pena em vê-lo se embriagar a cada vez que pronunciava aquele nome.
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