Capítulo 36

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Alfonso Herrera

- Você precisa acordar para a realidade. Ela fez isso e não há como voltar atrás. Pense sobre o que vai fazer e me ligue quando sentir necessidade de beber uma boa dose de uísque importado.

Uma boa dose de uísque...

O remédio para a amargura masculina, aquele mesmo que eu tinha acabado de experimentar. Sentado na beira de um bar qualquer, pedi para o barman mais uma dose caprichada. Ele nem teve tempo de me servir, já que puxei a garrafa de White label e derramei até a última gota.

- Senhor... Acho que está na hora de ir. Vamos fechar.

- Essa espelunca só vai fechar na hora que eu quiser! - gritei em ordem.

Alguns segundos depois um homem alto e musculoso parou do meu lado, como um leão de chácara, e cruzou os braços antes do outro homem, menos agressivo, sair detrás dele.

O proprietário me obrigou a pagar e ir embora, mas com o pouco de persuasão que me restava saquei uma quantia em dinheiro do bolso e joguei sobre a bancada "Este é o meu preço para esse bar funcionar até eu cair" A quantia não era exata, e muito menos perdi tempo contando o quanto ofereci pela exclusividade, mas acho que devia ser o bastante, já que o homem analisou, contou e saiu sem olhar para trás.

Desistindo de me atender em silêncio, o funcionário se sentou e me encarou.
Minhas condições eram berrantes, senti vergonha por estar ali, largado daquela forma como nunca antes, derramando as migalhas do meu orgulho.

- Você não é o primeiro e nem será o último - vociferou o homem.

Minha cabeça latejava e tudo ao meu redor era quase invisível. De dentro da garganta, suguei o último suspiro de choro e engoli o líquido quente e mordaz. O copo de vidro foi lançado no chão como se eu quisesse fazer mais alguma coisa se partir em mil pedaços, além de mim. O meu acompanhante se assustou, mas não disse nada além de buscar uma pá e uma vassoura para se livrar dos cacos.

Tentei levantar e quase cai, mas fui firmado pelo funcionário, mais uma vez forçado a me aguentar.
Quando ele me pôs de pé, fiz uma curta análise do lugar ao meu redor e tive certeza de que estaria mesmo no fundo do poço.
A que ponto chegou Herrera...
Tudo ali era velho, deprimente e abandonado. Não tive tempo de escolher um bar na avenida principal, apenas busquei algo longe e isolado. De fato ali atendia essas expectativas. Quem teria coragem de beber num lugar tão desgraçado? Não sei os tipos de homens que iam lá, mas eu estava ali a tempo suficiente para calar a boca e aceitar que agora fazia parte da freguesia.

- Não temos mais uísque caro, essa foi nossa última garrafa.

Pobre infeliz que queria me atender. A minha dose já teria se extravasado a cerca de duas horas atrás, e mesmo assim ele queria me agradar.

- Não preciso de mais nada.

- O seu carro, ele está lá fora, mas não pode ir sozinho no estado em que está.

- Não estou sozinho.

Acabando de falar aquilo, Lafaiete surgiu bem na minha frente arrancando um olhar apavorado do barman. Ele pareceu reconhecer quem agora me segurava no ombro, pigarreando um monte de falsos moralismos. A final, quem não o conhecia? O seu rosto estava em vários outdoors espalhados por Milão, com o nome da sua marca R.Dress.

- Deixe ele comigo agora.

•••

Devia ser um sol bonito e aconchegante, depois de tanta neve, mesmo que não fosse o suficiente para aquecer o clima. Naquela manhã a luz invadiu o meu rosto e só então percebi que o blecaute da janela tinha sido violado pela mulher que me encarava em pura indignação. Já era de dia e dona Helena apertava os lábios, enquanto tentei me erguer recostando na cabeceira da cama.

- O que pensa que esta fazendo? - alertou ela.

- Mamãe, o que faz aqui?

- Ricardo me ligou preocupado com você e pediu que eu viesse até aqui, mas não acreditei que estava nesse estado!

"Eu e ela temos um caso há anos. O seu real nome é Madness, e é uma garota de programa. Sinto muito por saber disso dessa maneira, mas tinha que ver com seus próprios olhos o que ela nunca deixará de ser".

As palavras dele ditas no caminho de volta ecoaram na minha mente por longos segundos, insistentes, me obrigando e pressionar o maxilar com força para conter a raiva que sentia.

- Foi desnecessário - afirmei aborrecido.

- Não meu filho, ele fez certo. O que aconteceu? Brigou com Anahí?

Ouvir aquele nome me trouxe uma ira anormal. Maldito seja a minha guarda ter sido baixa. Por que...

- Não. Apenas decidi beber e perdi o controle - menti.

- Quero acreditar nisso.

- Então acredite e saia, por favor.

Ela não insistiu e eu sei o quanto deve ter sido difícil para dona Helena fazer aquilo. Minha mãe era curiosa e sempre palpitava na vida dos filhos com uma curta justificativa de preocupação materna, não que duvidasse daquilo, mas era uma saco. Depois que ela saiu, percebi que minha mentira tinha um propósito. Eu queria que ela fosse esquecida por todos, aos poucos, como estava disposto a fazer. Ninguém precisava saber onde me meti.

Imagens das nossas noites, jantares, momentos... Tudo me torturava como um jogo mal sucedido. Porque Anahí?
Era assim que pretendi chamá-la para sempre, nem que fosse apenas em pensamento.

Os dias passaram e os recados eram inúmeros. Todos os lugares foram avisados que a presença dela era restrita e permanentemente proibida. Durante esse tempo, minha dedicação foi exclusivamente para o trabalho e a fundação.
Nos finais de semana organizei ações de acolhimento com as crianças e distribuição de agasalhos, oficinas, minicursos, patrocínios. Tudo que me tirasse à atenção e me levasse ao esgotamento. Eu precisava chegar esgotado em casa ou ficaria com lembranças tortuosas que tiravam meu sono.

"Por favor, me atenda, precisa me ouvir Alfonso".

"Queria saber por que sumiu sem ao menos buscar satisfações. Deposite a sua raiva, arranque isso de você".

"Se continuar a me ignorar dessa maneira, vai se arrepender. Apenas me ouça por dez minutos e prometo nunca mais entrar na sua vida ou te incomodar. Preciso falar pessoalmente contigo".

- Recados apagados... - confirmou a voz gravada.

Quase todos os dias a minha caixa postal estava com mensagens de Anahí. Ao menos daquela forma eu podia ouvir a sua voz. Algumas vezes me questionei o porquê de não apagá-las logo sem ouvir nem uma, mas quando pretendia fazer isso, todos os recados já haviam sido escutados. Era difícil ignorar, mesmo sem responder.
Não foi e não era fácil seguir depois de uma mentira, e o pior ainda era admitir que estivesse completamente apaixonado e disposto a ficar do lado dela, com desejos e planos que me foram arrancados. Nada parecia fazer sentido, muito menos o fato da minha reação após saber de todas as mentiras. O porquê dos segredos e do fato dela falar tão pouco sobre sua vida, hoje estavam explicado. No dia em que nos conhecemos ela devia estar saindo ou recebendo o dinheiro de mais um dos seus programas com Lafaiete.
Foi asqueroso pensar que não passei de mais um no seu curriculum.

E sua amiga. Seria igual? Dulce não parecia uma mulher que estivesse disposta a se vender, mas até algumas semanas atrás Anahí também não parecia.
Não me incomodei de imaginar a reação de Christopher, caso ela também fosse garota de programa. No fim das contas aquele insano levaria isso como uma qualidade considerável aos seus padrões. Mas para mim não. Ainda mais quando tinha pensado enfim que pela primeira vez havia encontrado alguém com quem faria a vida.

Foi apenas um mês, mas o suficiente para descobrir o que era amor e o que era dor.

Os dois sempre andam juntos no fim das contas...

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Olá amoras (a) !
E eu, sumida como sempre, mas estou feliz pelo sucesso do meu tcc I com nota de 9.4. Agora é #rumoaoDEZ no tcc II.

E ai, estão curtindo?

:*

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