Prefácio

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— Não concordo com isso... Tem certeza? — rebati enquanto via minha amiga entrar na sala, sem fazer ruídos propositais. Abri a palma da mão e a pedi que esperasse, jogando um beijo carinhoso. Ela riu. — Vou falar mais uma vez, e pela ultima vez. Não vou assinar contrato com gente que não crê no potencial da minha empresa e dos meus funcionários. Tenha uma boa tarde, querida.

Desliguei o telefone relaxando o corpo na cadeira e me livrado da postura fina de antes.

— Você fica tão linda atrás dessa mesa.

Dei um fino sorriso e levantei para cumprimentá-la. Depois de um abraço apertado, nos soltamos e andamos agarradas até o sofá.

— Como você está?

— Digamos que as coisas correm bem.

— Não precisa ter medo de compartilhar a sua felicidade comigo Dulce — o olhar dela foi retraído.

— Teimosa — grunhiu — A faculdade vai bem, e meu casamento também. Satisfeita?

— Bastante.

— E por aqui?

— Os negócios me ocupam muito tempo. Maite também sempre tenta me ajudar enquanto Christian viaja ao meu lado para fechar contratos. Todos parecem envolvidos com tudo...

— Anahí... Não perguntei sobre os negócios. Perguntei de você.

Fiquei calada por um tempo até recapitular a pergunta dela. Eu estava bem?

— Ele sabia o que fazia quando me pôs nesse cargo. Aqui eu me sinto parte dele.

— Christopher me disse o quanto todos estão elogiando o seu trabalho desde que assumiu a presidência. Alfonso ficaria orgulhoso.

Sim, ele ficaria... Pelo menos eu queria que ele ficasse.

Interrompendo a minha conversa, a secretaria se anunciou entrando na sala.

— Senhora, o seu carro já está lá em baixo.

— Ótimo. Muito obrigada.

Me levantei, apressada, pegando minha bolsa de cima da mesa. Dulce me olhava curiosa, também se levantando para me acompanhar.

— Desculpe, mas preciso sair.

— O tal passeio de todo mês?

Meu semblante capturou o dela e eu sorri ao ser flagrada. Era engraçado pensar que já havia se tornado um habito sem que eu mesma percebesse.

— Esse mesmo.

Nos despedimos com dois beijos no rosto e então desci...

****

Era uma vida linda.

Eu tinha o meu filho nos braços, cheio de muita alegria e com um toque de pureza. Os bebês tinham esse poder de acalmar nossa alma.

Fazia exatos um ano desde que fui naquele cemitério enterrar o corpo do amor da minha. Dizer isso era até meio anarquista, mas depois do nascimento do nosso filho eu achava justo leva-lo até lá sempre. Todo mês. Era como se de alguma forma eles se vissem.

A energia do lugar era boa e eu associava isso a Alfonso estar ali, perto de nós e ao mesmo tempo tão longe. Quando a vida te faz reavaliar as coisas às vezes parece impossível lutar ou vencer, você se acha pequena demais. Realmente eu nunca venci a dor de estarmos distantes, mas isso não me impediu de ama-lo ao lembrar como fui feliz ao lado dele.

É triste sentir que lhe falta alguma coisa e saber que não dá para comprar, substituir, esquecer ou implorar. Simplesmente deve-se aceitar.

Diga isso a uma criança convicta do que quer e saberá como é esse desespero.

A babá pegou Davi nos braços "é lógico que ele merecia aquele nome dado pelo pai" e passeou pela grama, distraidamente, enquanto me posicionava ao lado do túmulo abrindo o envelope vermelho com o selo e cheiro do perfume do meu marido.

Eu sempre lia aquela carta quando sentia que devia... Só de imaginar o porquê daquilo, meus olhos ficaram mareados.

"Se a saudade matasse eu não estaria mais aqui". Mozart foi claro quando escreveu isso. Era uma certeza.

Meu corpo tremeu e eu encostei a carta do lado esquerdo do peito, sugando a fragrância propositalmente posta no papel para realçar a minha vontade de recordá-lo. Alfonso pensou em cada detalhe. Ele sabia que eu devia estar mais forte. Enquanto lia tudo aquilo, foi notório o jogo de imagens mostrarem nossos melhores momentos na minha mente. Nossa história completa passada em segundos. "Como eu amei você Herrera. Como me fez feliz".

E o mais engraçado era a razão em cada palavra escrita. Alfonso abriu meus olhos sobre os seus cálculos "Como ousou se infiltrar na minha vida dessa maneira seu canalha de meia figa" pensei nisso rindo feito boba. Ele planejou cada coisa antes de me deixar.

— Obrigada por tudo meu amor...

Falei encarando a foto sorridente dele fixada na lápide. Era daquele sorriso que eu queria lembrar para sempre. Por toda a vida.

O toque de uma mão pousou suave sobre o meu ombro esquerdo e em resposta eu virei para olhar. Lafaiete tinha um semblante terno, esperando que nossa troca de olhares durasse um pouco mais. Eu não evitei soltar um leve sorriso enquanto olhava para céu "Que jogo sujo Herrera".

— Desculpe. Eu não sabia que estaria aqui.

Já tinha ouvido falar que Ricardo visitava o túmulo algumas vezes, mas nunca havíamos nos cruzado.

— Sei que não.

Mesmo depois da minha discussão sobre a carta, Alfonso não adiou os planos. Os encontros em certos momentos com Ricardo ainda aconteciam. Eu podia não querê-lo como homem, mas se meu marido dizia que havia um amor ali, eu no mínimo gostaria de tê-lo perto.

Lafaiete me fitou com certa dolência, pressionando meu ombro mais fortemente, sem sequer notar. Ele não tirava os olhos dos meus. Enfeitiçado.

— Posso ficar aqui? perguntou depois de tanto esperar.

Permaneci sentada no túmulo olhando para ele de baixo, e por algum motivo que não subi explicar, pus minha mão sobre a dele lhe mostrando uma expressão leve.

Eu estava confortável pela primeira vez.

Claro que sim...

Ressoei, me erguendo para partir.

Sabe aquela carta? Com certeza seria lida mais inúmeras vezes, sempre pelo mesmo objetivo "Quando eu sentisse que devia ler ou recordar dos motivos pelos quais estava indo em frente" Não era cedo ou tarde. Era apenas ir em frente. E como lido um dia num livro: "às vezes as pessoas sempre vão em frente e mesmo assim não chegam a lugar algum".

Quem sabe, talvez, eu chegaria nesse lugar, ou simplesmente me perderia no meio do caminho.

FIM

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Parcerias: @anahigio1405
Amoras... não me matem, não me condenem, nem me odeiem. Acreditem, eu também sofri sem ele... Sofri com o fim!

Espero que ainda me sigam mesmo depois disso rsrsrs

As vezes os finais das histórias nem sempre precisam ser tão felizes para serem inesquecíveis. O que eu quero que vocês levem de tudo isso, não é a perda de um amor, mas sim a forma como ele pode mudar e transformar vidas. Em como somos capazes de muito quando nos dispomos a amar.

Obrigada por lerem, por votarem... Por simplesmente estarem aqui comigo.

S A M I A  G R E E N

Possession Onde histórias criam vida. Descubra agora