Anahí
Dirigi como se não houvesse rumo algum, mesmo sabendo para onde devia ir. Era uma madrugada turbulenta, o frio arrepiava minha pele, mas por dentro de mim o calor de cada beijo que dei naquele homem ainda pareciam acesos. Recentes.
Alfonso não podia fazer aquilo.Ele me pediu para tocar piano, deitar sobre uma cama apenas para que pudéssemos admirar nossos corpos. Conversar sem hora marcada ou quantia preestabelecida.
Eu tinha deitado com um homem sem receber nada por isso. Senti uma dor estranha do peito por ter que sair daquele apartamento, e mesmo contra minha vontade eu saí porque tinha que fazer isso.Foi doce. Cada carinho e toque foram doces e calmos, talvez porque quisesse me fazer sentir desejada.
A quem eu queria enganar? Ele ia descobrir uma hora ou outra como eu realmente ganhava a vida.Balancei a cabeça e me repreendi assim que percebi aonde meus pensamentos tinham me levado.
Pare com isso, Anahí! Foi apenas uma noite com um homem qualquer. Deixe de criar expectativas absurdas e imaturas.
Me repreendi com aquelas palavras e foi como um milagroso remédio. Aquela era a minha verdade, minha realidade, e nada poderia mudá-la. A nossa noite me matou o desejo de ter Alfonso. Me obriguei a acreditar que todas as sensações foram causadas pela peculiaridade da situação em que estive e não por outros motivos. Afinal, eu nunca havia ficado com alguém que realmente quisesse porque sempre foi por negócios. Ou clientes. Nunca tive tempo de namorar.
E quem namoraria comigo sabendo a minha profissão?
Chegando ao meu apartamento, percebi que Dulce ainda dormia sobre o sofá. Pendurei as chaves no gancho de coruja que ficava bem na entrada e andei devagar até ela. Matei a saudade daquele rosto bom e resolvi balançar seus ombros para acorda-la, mas logo desisti disso.
Não era ganho algum acorda-la naquela altura da noite. Ela já estava ali a muito tempo. Duas horas a menos de sono em uma cama não diminuiria seu desconforto. Antes de me retirar, chequei se o aquecedor estava em temperatura agradável.Entrei no meu quarto e troquei de roupa. Precisava usar algo mais leve e confortável, para esperar que aquela noite terminasse logo.
Fiquei acordada o resto das horas seguintes, remexendo o celular e ouvindo músicas. Mas uma coisa não saiu da minha cabeça.
As imagens em que apareciam Alfonso sorrindo, batendo palmas, respirando arfante próximo de mim, foi incapaz de ser esquecida.
Peguei o papel que ele tinha me dado, e o encarei, repensando se seria uma má ideia ligar algum dia desses para uma saída casual. E desde quando eu fazia saídas casuais? Praguejei pondo o papel de lado e fechando os olhos para ver se apenas a voz daquele cantor penetrasse na minha mente.Olhei o relógio na cabeceira e ele marcava dez horas da manhã. Por mais incrível que parecesse eu tinha conseguido dormir um pouco assim que o sol chegou naquela manhã. Mais uma vez despertei ao som das panelas baterem junto com o cheiro gostoso que vinha da cozinha. Lavei o rosto e fui seguindo aquele aroma.
Dulce parecia mais disposta do que imaginei para alguém que dormiu uma noite inteira em cima de um sofá.
- O que será o nosso café da manhã? - perguntei adentrando o lugar.
- Café? - retrucou indignada - Sua preguiçosa. Já estou no almoço, sabia disso?
- Olha que ela levantou cedo hoje.
- Mas têm algumas panquecas sobre o balcão. Pode ir comer. Aliás, eu sempre me levanto cedo viu. - disse orgulhosa.
- Estava brincando, sua chata - falei lhe dando um abraço amigável. Ela sorriu com isso.
- Falando em cedo. Onde estava ontem à noite?
Não consegui dar a primeira mordida total na panqueca. Dulce me encarava na espera de uma resposta imediata.
Como assim? Você não estava dormindo? Pensei tentando pensar em alguma forma de distraí-la.- Acordei e não encontrei você em lugar nenhum. Depois fui ver que suas chaves não estavam - continuou ao notar minha demora com a resposta.
- Fui dar uma volta.
- Hum...- ressoou- Essa volta tem um perfume maravilhoso. Eu amei.
- Está dando uma de detetive dona, Dulce Maria?
Apertando os olhos eu joguei na direção dela uma embalagem de adoçante em pó. A minha amiga intrometida deu várias gargalhadas, quando se desviou do ataque. Eu nem precisei dizer mais nada, continuei comendo a panqueca dando goles no café sem lhe dar muita atenção. A morena tampou a panela e se aproximou com uma expressão mais relaxada.
- Não era um cliente, não é?
- Dulce...
- Calma. Não estou julgando, só falei porque está aparente que não foi alguém comum.
Encarei ela tentando entender o que Dulce queria dizer com aparente. Eu estava deixando tão evidente assim o que tinha acontecido na noite anterior?
- Lessa ligou e perguntou porque você não foi trabalhar - Justificou.
Respirando fundo segurei a coragem para conversar, mas fui salva pelo gongo. O porteiro ligou dizendo que uma encomenda estava subindo. Quando abri a porta, o homem de entregas estava segurando um buquê de rosas tão grande que mal dava para ver seu rosto.
Ele me entregou e eu assinei sua folha de recebidos.
Dulce sorria boba vendo aquele presente. Fiquei apavorada, ansiosa, até ler o cartão e descobrir de quem se tratava.
Minha querida, sinto muito pelo que aconteceu ontem. Por isso resolvi separar essas rosas, mesmo sendo clichê, para te presentear. Aceite meu convite e venha esta noite ao meu apartamento. Me sinto envergonhado.
Beijos, Ricardo Lafaiete.Meu coração pulsava furioso. Como ele descobriu meu endereço? Desconfiei imediatamente de alguém.
Dulce se posicionou logo atrás de mim e esperou por explicações assim que notou que não havia nada de feliz na minha face. Mas novamente fomos interrompidas, só que desta vez foi pelo meu celular.
Atendi disposta a tirar satisfações imediatas com quem ligava.- Quem trouxe as flores? - perguntei antes de deixar ele falar.
- Meu motorista levou. Por quê? Não gostou delas?
Depois de longos segundos agoniantes pude respirar aliviada. Talvez ele ainda não soubesse meu endereço verdadeiro.
- Não gostei. Mas não tem haver com as flores e sim com o fato de você não ter entendido que eu não quero mais contato, Ricardo.
- Madness, escute...
- Não tenho o que escutar - Interrompi trêmula, planejando desligar a ligação. Antes disso precisei falar uma última palavra - Só para lembra-lo. Você é um idiota!
Minha vontade foi de jogar o telefone longe, mas só fiz isso depois de desligar a ligação completamente. Lancei o aparelho sobre o sofá e joguei meu corpo na poltrona da sala.A minha colega de quarto estava parada bem atrás de mim, assistindo tudo sem entender o que estava acontecendo.
Prontamente peguei as flores e joguei na primeira lixeira que tive acesso antes de voltar para perto dela. Dulce parecia alerta. Então eu comecei a despejar palavras aleatórias, contando tudo o que tinha acontecido naquela noite.
Mal não podia fazer, a final, nós duas partilhávamos tudo e uma hora ou outra eu ia sentir necessidade de falar.
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Possession
Fanfiction*Fanfic Ponny (Concluída) Madness... Foi esse o nome que Anahí admitiu após sua vida se perder no mundo e em meio a prostituição de luxo. Ela era apenas uma garota quando isso aconteceu e nada foi capaz de impedi-la de se tornar tão impetuosa, reque...