O café

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Boa noite senhorita Aurélia, parece que se recuperou bem! Estou aqui como já lhe disse para conversarmos, posso entrar?

Preferia que conversássemos aqui mesmo.

 Ela estava estática a porta aberta, porém a mão permanecia na maçaneta, o rosto sem expressão, exatamente como ela ficava toda vez que se confrontava com algo que lhe causava espanto, situações inesperadas eram completamente paralisantes e normalmente ela ficava na defensiva, além disto, ela sabia exatamente o que aquele homem intimidante pensava sobre ela, só não tinha muita convicção do porquê dele estar ali olhando-a de cima a baixo, como se estivesse surpreso e com raiva ao mesmo tempo.

Isto é no mínimo uma tremenda falta de educação, receber uma pessoa para uma conversa na porta sem convidá-la para entrar, isto apenas mostra que além de interesseira você é desagradavelmente mal educada.

Quem... Quem você pensa que é para falar comigo deste jeito... Seu... Seu... Grosso, eu não te convidei para vir em minha casa, não tenho nada para falar com você e nem com seu advogado tolo, por que vocês não me esquecem, não me deixam em paz?!

É exatamente por este motivo que estou aqui para entender por que você não facilita as coisas e resolve de vez aceitar nossa oferta monetária, assina um compromisso de que não vai nos processar depois ou ir à mídia nos acusando de alguma tolice.

E quem está dizendo que preciso de ofertas monetárias, não sou nenhuma instituição de caridade, nenhuma igreja... Sabe o que mais me irrita é que vocês nem me conhecem direito e agem como se soubessem tudo a meu respeito e...

Por favor, será que vocês não podem conversar dentro de casa? É que precisamos de silêncio, temos uma criança que precisa dormir.

Aurélia e Fernando então olham a sua volta e veem algumas pessoas paradas observando-os curiosos, alguns já tendo reconhecido o homem que estava discutindo acaloradamente com a moradora que ultimamente havia deixado de ser pacata para viver aos gritos discutindo com homens do lado de fora de seu apartamento.

Desculpem-me, não queria incomodar, perdão...

Acho que é melhor entrarmos! Diz Fernando

Mas...

 Fernando empurra com delicadeza Aurélia para dentro, em seguida fecha a porta.

O que há com você garota? Você bateu em meu carro. Demos-lhe toda assistência médica, seu carro encontra-se em perfeito estado para lhe ser entregue, pedi que meu representante legal te ressarcisse de todos os danos financeiros que eventualmente possam ter ocorrido em virtude do acidente, ainda assim você quis nos prejudicar não aceitando o dinheiro que lhe demos e ainda rindo de nossa cara pela quantia que lhe oferecemos. Quanto você quer para esquecer-nos completamente e nos deixar em paz?   

 Vocês realmente são loucos! Só pode ser esta a explicação para tanta tolice junta! Em que momento disse a você ou a, como você disse, seu representante legal, que deveriam me dar qualquer quantia de dinheiro?! Aquele maluco do seu advogado veio em minha casa, me entregou um cheque, obviamente achei a situação absurda, surreal. As pessoas normais não saem por ai dando cheques com quantias absurdas para pessoas que batem na traseira de seu carro. Qual é o problema de vocês? Não pedi nada! Adorei o hospital, o médico VIP, o motorista e até a enfermeira, agora você mandar o seu advogado entregar-me aquele cheque tornou a situação toda hilária. Preciso que você me explique o que exatamente quer dizer quando pede para que eu o deixe em paz, e quando foi que a tirei de você.

Você acha que vou acreditar nisto? Que não vai querer lucrar com o que aconteceu? Então ele solta uma gargalhada, o que faz com que Aurélia fique com muita raiva ao mesmo tempo em que não deixa de notar como ele consegue ficar ainda mais bonito mostrando aqueles dentes perfeitos.

Sabe, Senhor Fernando Alencar eu poderia mesmo processá-lo. Não pelo acidente, mas por calunia e difamação...

Você é ousada! Diz ele ainda sorrindo.

Você nem tem ideia do quanto! Fico me perguntando que tipo de pessoas fazem parte de seu circulo de convivência para que você tenha adquirido este tipo de cinismo em relação a alguém que nem mesmo conhece. Você deve ser alguém muito pobre e solitário se desconfia assim de todo mundo. Tenho pena só de imaginar como deve ser triste sua vida, desconfiar de todos que se aproximam sem saber se eles gostam realmente de quem você é ou de seu dinheiro e poder . Sua profunda solidão, seu medo de confiar, seu dinheiro tomando o lugar de seu coração.  Acordar todos os dias e viver como uma máquina de fazer dinheiro, o homem poderoso morto por dentro, vivendo sem outro objetivo além deste até o dia em que a máquina Fernando Alencar parar de funcionar sem talvez, ter alguém para chorar de verdade pela perda por que ele afastou a todos com sua indiferença. Isto é triste, muito triste.

O silencio reinou. Aurélia olhando para Fernando com os olhos marejados. Fernando olhando para Aurélia, impressionado pelas palavras certeiras e pelos olhos pretos emocionados que o olhavam realmente demonstrando pena. Pena dele, como alguém poderia ter pena dele?! Ele era Fernando o poderoso, ele tinha tudo! Ou não?

Não preciso de sua pena! Preciso que aceite o dinheiro e que assine o documento que o Gerald te trouxer abrindo mão de futuras demandas.

Deus. Não quero seu dinheiro Fernando, nem agora nem nunca! Obrigado por tudo que fez por mim, inclusive por ter mandado arrumar meu carro. Foi um acidente, não temos culpa, na verdade, tecnicamente eu é que deveria arcar com todos os custos afinal, bati na traseira de seu carro. Você foi um cavalheiro em todos os sentidos, não ofusque isto sendo impertinente, por favor. Acredite ao menos uma vez em alguém, não estou interessada em nada, juro.

Novamente ele fica olhando para ela em silêncio. Ela um tanto constrangida começa a alisar a manga do pijama.

Será que você pode me servir um café em troca do meu cavalheirismo? Disse ele sorrindo.

Um café?

Sim um café. É que estou acordado há muito tempo.

Está com fome, quer algo para comer?  

Não, quero apenas o café se você não se incomodar.

É claro que não me incomodo, só vai demorar um pouquinho, como não bebo café tenho só para oferecer aos amigos, não tenho pronto terei de fazer.

Que bom, então já posso me considerar seu amigo.

Fique a vontade, já volto.

A  decisãoOnde histórias criam vida. Descubra agora