Minha vida estava um caos. Verdadeiro e profundo caos como só o de uma adolescente com pais em crise por causa de grana e de saco cheio por morar no interior pode estar.
Ibirité é uma cidadezinha ridícula na região de Belo Horizonte, capital mineira. Para quem ainda esta perdido, isso fica no Brasil. Não existem ruas retas aqui, só intermináveis morros e subidas que junto com o sol castigante, forma o que eu chamo de meu inferno particular. Minha casa é grande, arejada e difícil de limpar, mas nem tudo nessa vida são flores. Aqui tem um jardim com vários tipos de plantas que minha mãe insiste em manter, mas não cuida. Minha varanda abriga meu tédio e os longos dias que eu passo sozinha. Não sou uma pessoa muito sociável.
Pois bem, eu tinha uma vida confortável na medida do possível para uma adolescente de dezesseis anos. Meu pai trabalhava para uma montadora de carros e minha mãe era gerente de uma rede de supermercados. Isso mudou quando minha mãe perdeu o emprego logo após ter dado uma festa de arromba para minha irmã Zara. Não tínhamos como cobrir a divida e por mais ridículo que pudesse parecer, eu teria que começar a trabalhar para ajudar em casa. Logo eu que não tinha nenhum jeito com pessoas, nem com animais, nem com crianças. Eu não levo jeito nem comigo para ser sincera.
Meu pai se desfez do carro utilitário da família. Graças a Deus. Eu não aguentava mais aquele monte de lata velha roncando para toda a vizinhança quando íamos sair. Eu tinha que andar abaixada no banco para que ninguém da escola pudesse me identificar naquela coisa. Se alguém me visse os apelidinhos iam chover como canivetes.
Nem mesmo Hanna, minha suposta amiga ia perdoar. Ela era burra feito uma porta, mas seu cabelo extremamente preto parecia compensar isso por ela. Além disso, ela tinha Alexandre, o bobo da corte que fazia todos os trabalhos em dupla e colocava o nome dela. Acabamos formando um trio. Não sei como aconteceu, já faz muito tempo. Eles não me levam a serio e sempre que podem circulam nos corredores cochichando sobre a vida dos outros e me deixando com cara de tonta (como se eu precisasse de muita coisa). A minha inteligência é a única coisa que os prende a mim. Isso é bom, porque pelo menos eu tenho com quem conversar de vez em quando.
Ao chegar em casa, a primeira coisa que avisto, é a minha irmã mais nova usando o meu batom. Apesar de não ser muito vaidosa, as vezes não custa nada se arrumar um pouco, mas Elizabeth, ao contrario de mim, não vai à padaria sem um rímel. Eu não tenho nada a ver om isso, mas ela insiste em ficar pegando as minhas coisas sem pedir.
"Quem te deu permissão?" pergunto já querendo arrancar a cabeça dela
"Eu peguei emprestado" ela me devolveu num tom que me fez trincar os dentes
"Eu percebi sua idiota. Não faça de novo se não eu quebro suas pernas!" Juro que esse comentario ficou ótimo na minha cabeça, mas me pareceu meio idiota agora
"Arram, pode falar isso pra mamãe" ela simplesmente sorriu
Minhas pernas gelaram. Minha mãe era sempre intolerante quando o assunto era eu. Não importava o que eu fizesse, sempre sobrava para mim e eu não estou me fazendo de coitada. Mas não importa muito agora. Suspiro e vou para o quarto.
Zara tinha chegado junto comigo da escola e nós não nos dávamos bem (para variar). Tudo começou quando eu dei o meu primeiro beijo e ela contou para a minha mãe, que além de me bater dizendo que a escola não era lugar para namorar ainda me ameaçou ir na minha sala para saber quem tinha ficado comigo. Não existia uma coisa tão ridícula quanto aquela, mas na cabeça dela tudo fazia sentido. A minha raiva era que eu era a única pessoa na face da escola que nunca podia fazer absolutamente nada.
"Você tem uma entrevista de emprego hoje" ela surgiu no quarto ainda com o uniforme da escola
"Eu tenho?" Perguntei irônica
"Consegui com a mãe da Maíra" ela disse pegando alguma coisa no guarda roupa
Maíra era a colega dela que eu menos gostava. Ainda mais agora que ela tenha me conseguido uma entrevista contra a minha vontade.
"Deixe o endereço e as outras informações na estante que eu já vou" eu disse indo para a cozinha
Eu não tinha a intenção de aparecer onde quer que fosse, mas não podia dar a entender logo de cara. Eu não era preguiçosa, simplesmente não queria trabalhar para sustentar a família. Ainda mais duas irmãs que faziam da minha vida um inferno.
"Se eu fosse você já ficava pronta, é uma entrevista que precisa de um dos pais. Mamãe vai com você" ela sorriu como se tivesse prazer em ferrar com a minha vida
Voltei para dentro do quarto imediatamente. Minha mãe é o tipo de pessoa que te põe medo sem nem perceber. De personalidade forte, só o olhar que ela lança já é o suficiente para causar um colapso. Era esse também, um dos motivos que eu não gostava de entrevistas. No intuito de agradá-la para não levar uma bronca, eu acabava me embaralhando e perdendo toda a calma, ficava nervosa e no fim, parecia uma idiota com problemas mentais.
Sentei um momento na cama e processei aquela informação. Talvez não fosse tão ruim ter um emprego. Por mais que eu tivesse que ajudar em casa, poderia ter pelo menos alguns trocados para fazer o que eu quisesse. Respirei fundo e comecei a devanear sobre tudo o que eu poderia fazer, os lugares para os quais viajar e então olhei para Zara que ainda me encarava esperando uma resposta impacientemente.
"Tudo bem, eu já vou trocar de roupa" revirei os olhos
Minha mãe estava com uma cara fechada e não conversou comigo durante o trajeto. Havíamos brigado uma semana antes por eu não concordar com algo que eu já nem me lembro mais. Ela e Zara tem muito em comum, são rancorosas e muito inteligentes. Eu me pareço com meu pai, tanto na aparência como em alguns aspectos emocionais. Não sou de discutir enquanto algo não me tira do sério.
O prédio ficava a uns dez minutos de onde era a ultima parada de ônibus. Como eu não tenho sorte alguma em nada, um morro me convidou a subir e um sol rachando se sobrepunha na minha cabeça
"Que ótimo" eu bufei enquanto seguia minha mãe
"Anda logo se não você vai se atrasar" ela respondeu seria sem me olhar
Foram as únicas palavras que eu escutei. Ao chegar no endereço, eu já estava suando e bufando, mas ainda me restava um pouco de dignidade. Minhas roupas estavam limpas pelo menos. Uma secretária muito simpática disse que todos os outros já tinham subido e que esperavam para serem chamados. Eu e minha mãe subimos de elevador e paramos no andar indicado. Estava um verdadeiro caos. Tinha tantas pessoas que minhas pernas começaram a tremer e a única coisa que eu disse antes de ser tomada pelo pavor foi:
"Ai meu Deus"
![](https://img.wattpad.com/cover/79587954-288-k95985.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Doze Meses
Teen FictionO que acontece quando todos os princípios são abandonados? Quando tudo o que você acredita desmorona bem na sua frente? Os miolos de Anne estavam em conflito. Adolescente comum, ela se sente estranha com suas roupas e seu cabelo anelado. Acredita...