Que tudo vá embora

214 34 26
                                    

Era um domingo sem vida e a familiar casa de Carlos despontou à minha frente. Ele tinha dito que precisava falar comigo na noite anterior, mas eu não podia sair de casa, não naquelas condições. Esperei até que amanhecesse e fui direto para lá. A ligação dele tinha me despertado do meu transe "eu vou matar todo mundo para aliviar minha dor" e eu acabei indo dormir. O pensamento de acabar com uma vida era totalmente insano, mas por um momento pareceu viável. A situação tinha fugido do meu controle e eu precisava de uma solução rápida. Pelo menos na minha cabeça.

O ar da manhã é frio e me impede de usar uma roupa mais fresca, por esse motivo minha blusa escura e uma calça de moletom me aquecem.

Carlos não morava tão longe para que eu me produzisse demais. Meus cabelos estavam soltos até o momento eu que comecei a subir a ladeira. Apesar do vento, era impossível ficar indiferente a uma subida rumo ao céu.

Cheguei um pouco ofegante e toquei a campanhia. Enquanto esperava a porta se abrir, apreciei a vista, soltando meus cabelos novamente para esconder meu rosto quase congelado pelo vento que voltara a ficar forte.

O jardim era lindo. A grama verde tinha sido preenchida em vários pontos pelas folhinhas do ipê amarelo que fazia sombra na fachada de cor sóbria da casa, entre o bege e o marfim. Do portão, gradeado em cinza escuro, dava pra ver bancos de pedra que ficavam mais ao fundo. Aquele lugar me passava uma paz maravilhosa e podia arriscar dizer que moraria ali sem o menor dos problemas.

Um clique me tirou dos devaneios.

Uma figura branca sorria pra mim da entrada. Estava sem camisa e sem boné. Nos pés, um chinelo de dedos e na parte debaixo uma calça de moletom azul. Meu fôlego se esvaiu.

Vê-lo àquela hora da manhã, tão bonito como estava me fez sorrir também. Como qualquer pessoa normal, imaginei filhos lindos com ele.

Ainda descendo as escadas de granito branco, ele cumprimentou

"Bom dia Anne de Cachos" ele riu da própria piada também me arrancando uma risada

"Bom dia Carlos" sem nenhum trocadilho pra fazer apenas continuei sorrindo

"Bom ver você tão cedo" ele me abraçou de forma carinhosa. Não sabia dizer se estava sendo irônico ou se realmente estava falando sério. Fosse o que fosse, meu peito quase explodiu de alegria.

"Também acho..." respondi não querendo desabar, mas já sentindo o nó na minha garganta. Ele parecia ser a única pessoa feliz em me ver naquele momento.

"O que houve gatinha? Você está bem?" Ele perguntou ainda com a boca nos meus cabelos

Meu choro foi mais rápido que a minha resposta e eu me agarrei a ele como um bote salva-vidas. Eu tinha sido expulsa de casa, minha vida não estava a coisa mais organizada do mundo e ele parecia ser um dos únicos a me compreender. Ele sempre esteve presenciando os momentos tristes que eu vinha passando. Seu abraço se tornou mais forte, como se quisesse fazer um escudo em minha volta, como se não quisesse soltar. Não sei quanto tempo ficamos daquele jeito, mas pra mim, era o melhor tempo do mundo.

Naquele momento, tomei uma decisão. Eu ia contar a ele que talvez estivesse apaixonada. Ele não iria me rejeitar. Estava me tratando bem, sendo carinhoso e de uma forma ou de outra, fazia eu me sentir importante. Talvez ele só não tivesse coragem pra admitir que também gostava de mim e precisasse de um empurrãozinho.

Ele acabou me guiando para dentro, quando o vento começou a rugir do lado de fora.

Na cozinha, um bule de café estava na mesa com alguns pães e rosquinhas.

"Você levanta cedo?" Arqueei uma sobrancelha fungando um pouco por causa do choro

"Rotina saudável" ele sorriu

Doze MesesOnde histórias criam vida. Descubra agora