Ele

449 51 34
                                    

Havia uma música, uma batida tocando em algum lugar. É um toque insistente que faz minha cabeça doer. De repente ouço uma saraivada de xingamentos. Será que estou sonhando? É um sonho estranho. De onde vem todo esse barulho? Detesto barulho quando estou concentrada em algo. Minha mente sacode e eu tento abrir os olhos. Não consigo. Sou de novo apanhada por uma saraivada de xingos e do nada, sinto um frio calamitico. Abro os olhos lentamente e a julgar pela visão que tenho, estou no inferno.

"Para com essa droga de musiquinha! Estou tentando dormir, vou acordar daqui a pouco!" uma Zara de longas tranças quase desfeitas e um pijama um tanto desconfortável me encarava. E foi exatamente por isso que eu achei que estava no inferno. Seu olhar estava me matando silenciosamente numa fúria sonolenta:

"Ah! Que isso, é só uma musiquinha!"

Uma musiquinha? Uma musiquinha? Aquela porra de musica que estava tocando vinha do meu telefone que ficava do lado do meu travesseiro! Era o meu despertador! Meus olhos se abriram totalmente de súbito chutei para longe o resto das minhas cobertas e fui direto para o banheiro escovar os dentes, uma coisa que julguei ser a mais importante quando se está atrasado. Arrancando minhas roupas e deixando espalhadas pelo chão, vesti meu largo uniforme e aprontei tudo para sair o mais rápido possível. Quando coloquei a mão no telefone, ouvi um barulho de motor. Será que meu ônibus tinha passado? Se fosse isso, eu e estaria perdida, só haveria outro dali quarenta minutos!

"Merda!"

Corri porta afora e só quando estava em pé naquele ônibus dos infernos, me lembrei que estávamos na época de chuvas. E que nessa época fazia muito, muito frio. Arriei os ombros

"Merda!"

Em pé, com um monte de gente mal encarada me olhando e com um frio que não aconselho a ninguém pegar, paguei humildemente minha passagem e rodei a roleta. Péssima ideia. Num instante fui engolida por pessoas mais altas que se espremiam para se segurar no ônibus lotado que voava pela estrada. Pude ouvir algumas pessoas reclamando que o motorista não devia ir tão depressa, mas as outras o elogiavam diante da preocupação de chegar no serviço atrasados. O murmúrio se tornou conversa e a conversa se tornou um pandemônio quando todas as pessoas começaram a falar de uma só vez. Olhei para o teto e suspirei. A jornada ia ser mais longa do que eu tinha previsto.

Enquanto lutava contra meu ímpeto de mandar todo mundo calar a boca, ouvi uma risada muito familiar e totalmente escandalosa. Danubia estava naquele ambiente com certeza. Resolvi vasculhar o ônibus que me apertava num abraço de ferro entre um assento e outro e o pior é que nem uma alma caridosa se levantava para descer. Continuei firme minha busca e as pessoas começaram a me encarar, com medo de que sacassem uma arma e tirassem minha vida ali mesmo, resolvi parar e quando lancei meu último olhar para um assento meio escondido no fundo, eu não acreditei na minha visão. Danubia estava sentada rindo alto como se não houvesse amanha, junto com uma outra garota. Fiquei onde estava por não poder mais andar dentro daquela lata de sardinha. Ela não me viu.

Depois de enfrentar meu trágico trajeto em pé, desci no ponto de sempre e me preparei para subir o habitual morro de asfalto.

"Oi!" Danubia me encontrou enquanto eu esperava para atravessar a rua

"Oi! Bom dia!" Eu falei sorrindo

"E aí preparada para a época de frio?" Ela por reflexo enfiou as mãos nos bolsos da blusa creme que usava

"Claro, é uma das minhas épocas preferidas" eu balancei a cabeça tentando entender qual era o sentido daquela pergunta idiota, já que eu estava sem um agasalho!

Eu adorava o frio. Além de dar um clima muito melhor para ler, era extremamente bom poder usar as minhas roupas largas como se fossem normais.

"Eu não gosto muito do frio. Não dá para transar direito" ela falou no seu tom habitual, fazendo uma senhora de idade arregalar os olhos

Doze MesesOnde histórias criam vida. Descubra agora