Meus olhos não conseguiam focalizar as mais de cem pessoas que estavam ali. Meu coração martelava nos meus ouvidos e eu tentava respirar com dificuldade. Como diabos eu ia conseguir um emprego no meio de tanta gente? Eu já podia até ver a minha mãe me dando uns tapas no braço na hora da volta para casa.
Depois de alguns minutos, cinco mulheres com uma cara de poucos amigos apareceram e colocaram ordem no pequeno espaço. Uma delas, que estava com um vestido de linho azul tomou a frente e comunicou:
"Vamos entrar para começar as entrevistas, por favor façam uma fila"
Parecia que as portas do inferno tinham sido abertas. Um monte de pessoas se aglomeraram na frente da mulher que arregalou os olhos e pediu também silêncio tamanha era a algazarra do lugar. Minha mãe olhava para mim com um misto de pavor e repulsa. Ela odiava desordem quase tanto quanto eu. Começamos a andar devagar rumo a fila que já tomava forma e entramos na sala.O lugar era grande, cheio de cadeirinhas acolchoadas e confortáveis. Mas a tensão que aquilo estava dando já se espalhava no ar. Todos ali pelo que estava estampado no rosto, precisavam conseguir o emprego.
A mulher se posicionou junto com as outras na frente de todos e fez um breve discurso terminando com a seguinte frase:"Independe do resultado, queremos que vocês saibam que ligaremos para dar um retorno"
Eu não sabia o que pensar. Um turbilhão de coisas passou pela minha cabeça naquele momento. Eu queria sumir dali, me esconder para sempre ou apenas viver de água. Eu não queria precisar daquilo, era até um pouco humilhante, mas ao olhar para minha mãe, senti que era melhor eu conseguir daquela vez.
"Tudo bem, vamos começar com uma chamada" uma outra mulher de blusa cinza e cabelos cacheados curtos tomou a frente.
A chamada parecia que ia durar uma eternidade e a minha paciência não estava das melhores
"Anne Caroline" ela chamou com voz estridente"Presente" suspirei com tédio visível e me remexi um pouco quando um beliscão picou meu braço. Minha mãe não gostava de tons arrogantes.
Depois daquela provação, eu me endireitei para ouvir absolutamente tudo da vaga e descobri que na verdade era um projeto que contemplaria cem pessoas. Meus olhos brilharam. Só eu sendo uma verdadeira azarada para não conseguir pelo menos a minha vaga.
Dali a dois dias uma prova seria aplicada e passariam as pessoas com as melhores notas. Eu nunca estudei tanto para uma coisa como naquele período.Saí daquele ambiente carregado e fui em direção ao ponto de ônibus. O sol já estava baixo e eu me perguntei quantas horas seriam. Não, eu não tinha um relógio, nem um telefone. Minha mãe o tinha quebrado inteiro quando eu mandei ela calar a boca por que queria assistir a um vídeo na Internet. Balanço a cabeça e continuo andando.
As ruas estão apinhadas e eu penso em como seria se eu conseguisse a vaga. Eu poderia finalmente ter um pouco de liberdade e fazer algumas amizades novas, porque as minhas já estavam me dando nos nervos. Eu não aguentava mais tanta falsidade ao meu redor e muito menos as falácias de Hanna e Alexandre.
"Você quer comer?" Minha mãe pergunta ainda séria. Para falar a verdade, acho que perdemos o jeito de tratar uma à outra e por isso ficamos tão distantes
"Não" respondi seca e continuei andando ao lado dela
O ponto de ônibus parecia a fila de pessoas esperando para ir para o céu. Como consequência eu e minha mãe voltamos para casa em pé o que fez meu humor cair muitos graus.Cheguei em casa e já fui direto para os livros procurar por alguma coisa que acrescentasse meu conhecimento para dali a dois dias, achei algumas coisas, mas fui vencida pelo cansaço e acabei dormindo.
A porta bateu com força e eu abri os olhos. Zara tinha me acordado de um jeito todo especial lançando a porta contra a parede
"O que você quer?" Pergunto sonolenta"Mamãe já pôs a mesa. Venha jantar!" ela gritou de propósito me fazendo estreitar os olhos
"Estou indo" respondi me livrando do livro em meu colo
O jantar foi silencioso como sempre, apenas o tilintar dos talheres batendo nos pratos e a insatisfação com a vida estavam presentes. Meu pai não falou do serviço e se retirou assim que acabou de comer.
Eu queria ser como ele. Ele tinha uma família boa, um emprego e uma vida estável. Se não fosse por mamãe ter perdido o emprego e nós estivéssemos endividados por causa da festa, com certeza ele também teria algum dinheiro no banco. Apesar do que estávamos enfrentando ultimamente, éramos uma família estruturada.
•Os dois dias passaram voando. Assim que me despedi de Hanna na porta do colégio, corri para casa e me aprontei para a prova que tinha permeado meus pensamentos durante a noite. Minha mãe não precisaria estar presente daquela vez e isso me fez acreditar que Deus estava torcendo por mim, ainda mais quando ao pegar o ônibus me deparei com um lugar vazio. Não pude deixar de sorrir.
Andei incerta até o local do prédio, afinal, era a primeira vez que eu saía na rua sozinha e minha mãe tinha se embolado um pouco na hora de me dar as coordenadas. Isso aliado ao fato de às vezes eu ser um pouco aérea, fazia eu ter muito cuidado pelas ruas.
"Pode subir" a mesma secretária simpática me disse quando bateu os olhos em mim. Pelo jeito ela tinha ido com a minha cara"Obrigada" eu sorri educadamente tentando parecer calma, mas minhas mãos não paravam de suar
Quando o elevador abriu, minha visão foi tomada por um ambiente totalmente diferente do que o que eu tinha visto há dois dias. Um sofá de couro marrom estava encostado na parede o chão estava limpo e sem marcas de pés por todos os lados e o lugar cheirava a café. Por um momento me perguntei se não tinha entrado no lugar errado e resolvi perguntar. O atendente, que também fazia às vezes de porteiro, me disse que todos estavam na sala "B" e que eu também deveria ir para lá.
Várias pessoas já tinham chegado e várias outras se juntaram depois que eu cheguei.
A prova foi aplicada e eu terminei em questão de poucos minutos.A orientação era para que aguardássemos o resultado do lado de fora. Me sentei no sofá de couro e esperei pelo que pareceram horas.
"Você aceita alguma coisa?" um homem de aparência jovem ofereceu. Ele era um gato. E como eu não sei lidar com pessoas, muito menos pessoas bonitas, simplesmente balancei a cabeça negativamente.
Quando o homem virou as costas, a mulher que estava na sala veio em minha direção com algumas folhas de papel. Eu a encarei em interrogação:
"Não podemos revelar os resultados da sua prova agora, mas você deve preencher essa ficha para entrarmos em contato." Ela sorriu e me entregou uma folha "Acho que você tem ótimas chances"Eu não tive expressão. Minha mente só pensava que eu tinha conseguido e que no outro dia eles já me dariam a vaga.
Estou tão errada a respeito de tudo...•
Cheguei em casa esfuziante por acreditar que finalmente eu ia ter alguma coisa para fazer, além de ir para a escola. Finalmente eu rumaria pelo caminho do meu pai com um emprego e vida estáveis.
Mas os dias foram passando, minha mãe perguntava o que eu tinha feito de errado para não ter conseguido e eu me limitava a falar que nada tinha acontecido. Ela não acreditava e nós acabávamos discutindo por ela me achar inferior e incapaz de conseguir ao menos um emprego.
Aquilo me doía na alma, mas nenhuma lágrima escapava na frente dela. Eu só desabava depois, quando só eu podia me escutar.Eu ia e voltava da escola. Ficava o tempo livre com um livro na varanda e fazia alguns serviços domésticos. Aquilo começou a bastar para mim. Eu estava lindamente encostada na minha zona de conforto e começava a gostar.
Eu desenvolvi uma repulsa e um medo de pessoas. Porque elas mentem, manipulam e você acredita. Eu queria acreditar naquela mulher, afinal ela tinha me dado esperanças."Fodam-se todos!" Sussurrei antes de botar a cabeça no travesseiro e deixar que a sensação habitual de fracasso me consumisse
VOCÊ ESTÁ LENDO
Doze Meses
Teen FictionO que acontece quando todos os princípios são abandonados? Quando tudo o que você acredita desmorona bem na sua frente? Os miolos de Anne estavam em conflito. Adolescente comum, ela se sente estranha com suas roupas e seu cabelo anelado. Acredita...