Ceia de Natal

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Estávamos no verão e eu estava de férias da escola naquele dezembro. Ainda tinha um pouco de medo do que me esperaria no próximo ano no turno da noite. Os dias passavam frios e com ventos horríveis e um tédio total. Eu tinha acabado de sair do segundo ano e ainda estava tentando enterrar a paixão avassaladora que eu sentia por Daniel Campos, um homem lindo que tinha repetido de ano não sei quantas vezes e estudava no primeiro ano. Eu não o culpo muito por isso, já que os olhos verdes dele suprimiam qualquer vontade que eu tivesse de querer deixá-lo para lá e me concentrar nos meus estudos e mesmo ele não estando nem aí para mim, eu não parava de pensar nele. Eu ainda consigo me lembrar do efeito que aqueles olhos causaram em mim, foi como se o chão literalmente tivesse sumido dos meus pés e alguma força estranha estivesse me consumindo. De início eu achei que estivesse somente impressionada por uma beleza que não estava acostumada a ver a menos que ligasse a televisão, mas o tempo que eu passei admirando aqueles olhos de gato e toda a paranoia que se desencadeou em mim quando ele olhou profundamente nos meus olhos uma vez durante o intervalo, fizeram com que eu me desse conta de que talvez não estivesse só obcecada, mas apaixonada e a constatação disso veio quando ele abandonou a escola e não voltou mais. Eu chorei incessantemente durante uma prova de matemática e a professora teve de me mandar pra secretária para me dar um tempo. Desde então, venho me lamentando de um amor que jamais vai se concretizar.

Sei que isso é ridículo, mas eu sonhava em construir uma família linda com ele, que no máximo me olhava com cara de pena, já que a maioria (todas) as amigas dele eram sensacionais. Meu coração não é muito inteligente, como já perceberam.

Os dias iam passando lentamente e a brisa fria do verão batia na minha janela enquanto eu me ocupava em pensar como seriam as coisas dali pra frente. Achei que certamente eu não ia sentir falta alguma dos meus antigos colegas, se é que podiam ser chamados assim, já que eu iria mudar de turno. Na verdade eu ficaria grata por isso, uma vez que as ultimas amizades que eu fiz, foram no ensino fundamental e tragicamente também tinham me trocado pelo namorado e pelos irmãos respectivamente. Fabiane e Beatriz haviam se mudado e me deixado sozinha com Hanna e Alexandre. O fato era que a ida para o ensino médio tinha me deixado confusa e perdida e como se não bastasse, minha autoestima estava numa queda eterna rumo ao inferno. Eu tinha espinhas, estava acima do peso, e não era uma jogadora de basquete por assim dizer. Meu cabelo era mantido religiosamente preso, por conter muitos fios quebrados e sem chance alguma de recuperação; ele era naturalmente anelado, mas não quer dizer que eu gostava dele, preferia ele liso, mas isso me custou muito caro. Não havia um dia que eu não tentasse melhorar minha aparência fazendo aquelas dietas ridículas de revista ou comendo maças como se fosse um cavalo para que as espinhas diminuíssem, mas como já é sabido, não funcionou. Só o que podia me manter sã era o pouco de inteligência indiscutível que eu tinha adquirido com uma educação severa e muito rígida. Minha mãe havia nos criado assim, a mim e minhas irmãs.

O trabalho não estava sendo tão ruim. Tínhamos ganho uma folga para as festas de fim de ano, o que só serviu para minha mãe colocar Zara, Elizabeth e eu para limpar o terreno. Danubia e eu íamos e voltávamos juntas e isso foi um alívio para o meu pai que achava perigoso eu andar sozinha. Ah pelo amor de Deus! Eu já tinha dezessete anos, mesmo que tivesse acabado de completá-los no dia vinte e três. Isso era outra coisa que me fazia querer arrancar os cabelos. O famoso parabéns pra você era piamente cantado na ceia de Natal e me fazia ficar com uma cara tipo: eu não sei a reação que tenho que ter.

Este ano, tia Deyse veio nos honrar com sua presença mandona e mal humorada. Também tinha o tio Ber que achava que minha casa nos finais do ano virava um hotel para ele e para a família numerosa dele. Mal ele sabia que eu tinha sido ameaçada no outro dia para que cedesse a cama para os seus filhos pestilentos.

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