Outubro - O décimo Mês

64 10 7
                                    

Meus olhos não tinham mais vestígios da violência de Carlos, mas eu ainda sentia sua falta. Tentei ao máximo me concentrar nas tarefas que Rose tinha me passado, no meu trabalho e nas minhas aulas de inglês que eu ainda frequentava com muito custo. Nada parecia adiantar. As doses de heroina eram cada vez mais comuns e frequentes e isso me custava muito. Eu estava perdendo o poder de me manter tranquila, minha respiração vivia escassa e por mais que eu odiasse admitir, eu morria de medo de voltar para o coma.

A seringa ficava escondida em um fundo falso na minha gaveta de meias. Eu nunca tinha feito aquilo em casa, então precisava de algo para puxar minha veia, um isqueiro e uma colher. Peguei um lenço de cabelo e o amarrei bem forte. Acendi o isqueiro e preparei minha refeição. A sensação que me atingiu oito segundos depois era orgásmica. Meus olhos se reviraram e eu relaxei.

A heroína é uma droga pesada. Dizem que a maconha é a porta de entrada para drogas mais fortes e, isso não é necessariamente verdade se o usuário não tem tanta amargura no coração, mas eu tinha. Eu estava sentada em uma cadeira jogada no canto do quarto às quatro da manhã com uma sensação que não duraria muito, mas que, por enquanto, era suficiente. Era a primeira vez que injetaria e não estava vendo tantos problemas, já que começara a fumar e cheirar já há algum tempo. Luis disse que não tinha problema.  

Depois de alguns minutos, talvez horas, meu telefone tocou. Era o alarme indicando que eu devia trabalhar. Me arrastei meio grogue até o espelho e chequei meu rosto antes de sair. Tirando os olhos fundos de olheiras e o cabelo extremamente seco, eu até que estava muito bem. 

Vesti uma camiseta de seda e minha blusa grossa cor de creme e sai para o vento gelado das cinco e meia da manhã. Antes que eu pudesse chegar ao ponto de ônibus, uma ideia se passou pela minha cabeça. Eu poderia aguentar as chatices de Sara durante o expediente desde que levasse o antídoto comigo. Dei meia volta e retornei para casa onde Zara estava de pé fazendo o café na cozinha e cantarolando algo em inglês.

"Bom dia Ruby Rose" tirei a blusa grossa e a deixei na mesa perto da porta. Levei a mão aos bolsos tentando fingir um ar despreocupado e escondendo a marca da seringa. Na verdade, pegar no pé de Zara não tinha tanta graça quanto eu achei que teria, mas era gratificante.

"Vai pro inferno" ela disse ainda de costas pra mim, observando enquanto a água fervia.

"Nossa que grosseria!" eu dei um leve tapa em seu ombro "o que sua mulher vai dizer se vir esse tipo de comportamento?" a raiva dela me dava um gostinho inimaginável.

"É sério, me deixa em paz" ela praticamente rosnou enquanto colocava o pó de café.

"Quer dizer, é claro que é sua mulher, não é? Olha pra você, parece mesmo um machinho" eu disse sorrindo ainda que isso passasse bem longe de ser verdade.

Eu não vi muito bem como, mas gritei assim que senti. A água fervendo que supostamente seria para o café foi atirada em mim pegando nos meus peitos e barriga. Eu não sei como aconteceu, mas meio que vi minha pele derretendo e ardendo como se alguém tivesse me jogado ácido muriático. Minha tia logo correu pra ver o que tinha acontecido.

"Você enlouqueceu sua putinha?" eu berrei pra Zara, sentindo mais raiva que dor.

"Eu não pareço um machinho? ou isso não é masculino o suficiente pra você?" ela me deu um empurrão e se virou para minha tia: "Ela mereceu e sim, eu faria de novo" saiu andando e bateu a porta do quarto.

"Tia, pelo amor de Deus, faça alguma coisa!" berrei pra minha tia que ainda estava abismada com o que acabara de acontecer. Ela se moveu um pouco, ainda perplexa e foi para o telefone. 

"Não preciso de ambulância" choraminguei, mesmo que precisasse. Bolhas enormes estavam se formando onde a água tinha pego de raspão e a primeira camada de pele de alguns lugares não existia. Eu fiz meu melhor tentando descolar a camiseta de seda das bolhas na minha pele, mas falhei miseravelmente.

Doze MesesOnde histórias criam vida. Descubra agora