Eu estava muito pensativa nos últimos dias. Carlos e eu tínhamos nos beijado. Ele tinha dito que queria fazer aquilo. Mas porque? Estava tudo muito escuro para mim ainda. Minha mãe voltara para casa, mas eu não tinha cruzado com ela. Também tinha voltado a conversar com Daniel normalmente (o que também era estranho) e tudo parecia ir em harmonia... ou quase isso.
Eu estava muito bem, o primeiro horário já tinha começado e somente eu e mais duas pessoas estavam por ali, naquele quadrado marrom com carteiras grandes, em sua maioria vazias. Quando a professora saiu, os alunos se dispersaram pelo corredor em busca de água ou um cigarro de maconha. Pensei que Danubia provavelmente estava se pegando com alguém. E que esse alguém poderia sim, ser Carlos. Mas quando eu menos esperei, ele surgiu na porta, com um semblante meio nervoso. Parecia deslocado como se não lembrasse onde estava. Cruzei os braços e fui até ele.
"Você está bem?" Perguntei baixo, meio com medo da reação dele
"Hein?" Ele deu um passo para trás, parecia assustado
"Você está bem? Perguntei de novo, dessa vez pegando a mão dele
"Ah... sim, eu acho" ele balançou a cabeça e caminhou para um canto da sala. No processo quase derrubou duas mesas
"O que houve com você?" Eu o sacudi um pouco.
"Acho que exagerei hoje" ele limpou o nariz como se o coçasse.
"Cocaína?" Perguntei com dó. Eu não via como as pessoas podiam achar graça em algo que destruía a vida de famílias inteiras
"É" ele falou sorrindo "como você sabe da Júlia?" Ele ria como uma criança e brincava com uma mecha do meu cabelo
Eu ri com ele. Apesar de triste, era cômico vê-lo naquele estado
"Quem é Julia?"
"Você está rindo do que?" Ele pegou meu braço firme
"N-nada" eu me assustei. Pessoas drogadas mudam muito de humor?
"Pois parece que está rindo de mim!" Ele gritou e meus olhos encheram d'água
"Por favor, eu não... não estou rindo de você, me desculpe" eu falei rápido com medo de que ele fizesse alguma coisa. Seu olhar estava desvairado
"O que está acontecendo aqui?" Laura, a professora de biologia entrou zangada
Ele se afastou
"Não é nada" respondeu sólido saindo da sala que mal entrara
Eu estava um pouco impressionada. Custei a me levantar e buscar uma cadeira longe da porta. Fiquei sozinha aquele dia. Danubia não apareceu durante os três primeiros horários
"Posso falar com você Castro?" Laura chamou imponente quando a aula acabou
"Claro" eu caminhei errante até ela "diga"
"Fique longe de Carlos, ele não é para uma garota como você" ela colocou a mão protetivamente no meu ombro
"E como seria uma garota como eu?" Levantei as sobrancelhas. Já estava farta das pessoas me colocando estereótipos
"Você é inteligente e esforçada, não jogue isso fora por um cara qualquer" seu tom era de pesar
"Mas eu não tenho nada com ele" eu disse na defensiva
Ela se espantou consideravelmente
"Ah... mas eu pensei que..." Laura corou. Pelo visto as pessoas falavam muito mais pelos cotovelos do que eu podia imaginar
"O que houve?" Passei o peso de um lado para outro, avaliando se gostaria de ouvir uma resposta
"É que... bom, os professores e os alunos tem comentado muito que vocês andam próximos. E outro dia, bem, alguém viu vocês se beijando"
Aquilo era mesmo a conduta que um professor deveria ter? Que bizarro!
Me senti um pouco sem graça. Às vezes aquele lugar era tão silencioso que parecia não haver pessoas. Eu sabia que algumas almas passavam pelo pátio às vezes, principalmente por que não tinha outra forma de acesso, mas não sabia que eram do tipo fofoqueiras.
"Aquilo foi um erro. Ele tem namorada" eu disse desconfortável
"Ele tem?" Ela cruzou os braços
"Eu fiquei sabendo que sim" eu começava a achar estranho o fato de estar conversando com uma professora que tinha idade para ser minha mãe. E pensando bem, que raio era aquela de namorada que nem sequer aparecia em lugar nenhum?
"Você precisa parar de confiar nas pessoas que fazem isso de mal gosto" ela ficou séria
"Eu não entendi" devolvi ingenuamente
"Carlos perdeu a namorada o ano passado. Desde então vem se autodestruindo de várias maneiras" ela disse como se fosse informação básica para a escola.
Aquilo me afetou mais do que eu imaginava. Eu sabia que ele parecia entender muito bem sobre as mágoas e momentos difíceis de alguém. Aquilo respondia muita coisa. O amor que ele sentia talvez o tivesse destruído. Danubia tinha mentido pra mim. Talvez para me afastar dele
"Eu não pretendo me envolver" falei depois de alguns segundos processando a informação. Não pretendia me envolver demais, pensei
"Acho ótimo" ela apertou meu ombro de novo e foi embora
Ele não voltou aquele dia. Me senti um pouco estranha por isso. Geralmente ele alegrava a sala com suas piadas de mal gosto e zoações fora de hora. O ambiente estava muito pesado sem ele por ali. Eu também gostava de seus olhos, que às vezes, ficavam me olhando por um tempo demorado. Nessas ocasiões eu fingia não perceber, mas ficava atenta a qualquer relance de interesse que Carlos pudesse demonstrar, por que afinal, meu plano também dependia dele.
"Olá" Danubia gritou habitualmente no meu ouvido na hora do intervalo. Eu não entendia que diabos ela tinha ido fazer ali aquela hora, já que faltavam apenas dois horários para a aula terminar
"O que faz aqui?" Perguntei um pouco impaciente
"Eu estava realizando um feito minha cara" ela sorriu amplamente para mim
"Antes de tudo, porque mentiu para mim a respeito de Carlos e uma suposta namorada?" olhei nos olhos castanhos astutos dela
"Eu não queria ninguém perto dele... nem uma tantã como você" ela riu mais alto ainda
Eu não disse nada e mordisquei mais um pedaço meu lanche. ela não me chamaria assim se soubesse o que eu estava planejando
"Não quer dar uma olhada na minha conquista?" ela perguntou arrancando o pacote de biscoitos da minha mão
"Danubia minha queridinha, eu não estou para suas charadas" suspirei pesado pegando o pacote de volta e enchendo a boca com o biscoito recheado "Diga logo o que é"
Ela tirou a jaqueta de couro marrom que estava usando e revelou seu braço. Minha boca quase se escancarou e meus olhos, eu tenho certeza, ficaram esbugalhados.
"O que diabos é isso?" Eu passei a mão no desenho obscuro que repousava no braço dela. Um tigre enorme estava tomando conta de toda a pele.
"Não gostou?" Ela uniu as sobrancelhas
"É... é maravilhoso. Mas porque você fez isso?" Mordi mais um biscoito
"Porque Carlos vai ser meu, pode apostar, ele vai ser meu" ela pegou o biscoito da minha mão e comeu
Eu sorri. Ela era doida por Carlos a ponto de fazer uma tatuagem para chamar a atenção dele? Ela só podia ser doida, além do mais, aquilo só iria acontecer se ela passasse por cima do meu cadáver. Danubia ia pagar caro, por ter me tirado de Daniel.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Doze Meses
Teen FictionO que acontece quando todos os princípios são abandonados? Quando tudo o que você acredita desmorona bem na sua frente? Os miolos de Anne estavam em conflito. Adolescente comum, ela se sente estranha com suas roupas e seu cabelo anelado. Acredita...