Setembro - O Nono Mês

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A carta foi mandada. Eu a tinha escrito com absoluta certeza de que iria ferrar com Zara. O sentimento me era estranho, uma mistura de euforia e dó... e medo. Ela era uma idiota, mas imagino que ser irmão de alguém implique isso, não que fizesse alguma diferença naquela hora. A carta já tinha sido mandada...

Andei pela calçada até chegar no serviço. Não me sentia tão bem ali como quando começara. Na verdade carregava comigo um enorme tédio e preguiça das pessoas. Carlos ainda estava dando sinais de vida e meus dias sem ele não eram mais que suportáveis. Não fui vê-lo um dia sequer, minha dignidade já tinha sido afetada demais.

"Você está péssima" frase recorrente dirigida à mim por Danubia nos últimos tempos. Ela passara a ir de carro para o trabalho, até me ofereceu carona há algum tempo, mas eu não aceitei. Queria pensar na vida medíocre que tinha durante o pouco de caminhada que fazia.

"Não brinca" resposta costumeira que eu sempre dava, acompanhada de um sorriso hipócrita e sem graça.

"Foi ver Carlos?" ela perguntou parando na minha frente com um copo de café estendendo-o à mim

"Obrigada... e não" agradeci pelo copo e me sentando à mesa, liguei o computador. Sara iria chegar dali a pouco tempo, e sempre me xingava por andar distraída, afinal, ela era nova chefe. Às vezes eu me perguntava se Danubia ia conseguir pegar ela também porque tinha tara em nossos chefes.

"Precisa disso Anne, você sabe"

"Na verdade é você que parece saber muito bem..." estreitei os olhos para ela que me olhou com uma cara estranha

"Só estou dizendo que..."

"É melhor não dizer nada... meu saco vai estourar a qualquer momento" suspirei e olhei de relance para o computador. Eu não estava com a minima vontade estar ali.

"Olá garotas" Sara entrou na sala apertada com um sorriso enorme no rosto

"Olá" devolvi com um aceno e vi Danubia levantar uma mão em cumprimento "O que houve com vocês hoje? Estão tão estranhas" ela observou, mas saiu antes de receber uma resposta.

Vestia calças caqui e uma blusa um tanto grossa demais para a estação, mas talvez estivesse ocupada demais com as ocupações de ser chefe ou era o fato do feriado estar chegando e termos que nos virar para entregar os pedidos a tempo e não ligasse muito para o que vestir, desde que as coisas não saíssem dos trilhos

"Ela está estranha desde que se tornou nossa chefe" Danubia argumentou, mas fiquei calada. Meus pensamentos vagavam para um lugar mais escuro e não tão atraente que ficava nos arredores da minha cidade

"Anne!" ela chamou com mais força e sacudiu meu braço

"Sim Danubia, Sara está estranha, mas o que quer que eu faça?"

Ela suspirou e balançou a cabeça negativamente

"Você também está... mudou muito..."

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"Oi" minha voz ecoou no ambiente vazio, assim como minhas lágrimas silenciosas que faziam um barulho estrondoso. Era quase final do mês e eu tinha ido poucas vezes até lá.

Não houve resposta, mas eu fiquei ali encarando-o, esperando alguma coisa, algum movimento.

"Eu não superei nada ainda. Eu nem sei quando isso ficou tão ridículo... mas eu queria você de volta" sorri um pouco e fiz minha mão chegar até meu rosto limpando o caos "mas obviamente você já sabe"

Respirei fundo e foi só o que consegui fazer. Abri minha bolsa e tirei de lá o baseado que pegara da bolsa de Danubia no almoço. Eu estava roubando? Já? Nunca acreditei que isso fosse possível. Começou com uma diversão e agora tinha se tornado um vício, um maldito vício que eu tinha adquirido com mais e mais mazelas das consequências.

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