As duas casas

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Sócrates fica surpreso.

-O que?Você é maluco?

-Não se preocupe, o martelo é leve como uma pena.

Sócrates vai conferir a informação e percebe que é verdade.Seu espanto se mantém.

-As imagens só serão destruídas se você quiser.Não é preciso colocar muita força, destrua apenas as paredes.Não se preocupe com o teto, ele irá cair mas não vai atingir você.Comece por este andar e vá descendo.

-Sim chefinho.Você tem alguma escada por ai?

Eu cria uma escada.

-Quem diria que eu, um dia, iria entrar dentro de mim mesmo para entrar no setor de construção civil...

-Estarei lá fora... –diz Eu, enquanto dá um sorriso no canto da boca, não percebido por Sócrates.

Então ele começa a destruir a casa... para algumas fotos ele olha com raiva e destrói com prazer; para outras, ele olha com frustração e destrói sem muita vontade.Quando ele destrói uma boa parte das paredes do andar superior, o teto cai porém não o atinge.A chaminé da casa não possui madeira ou fogo, como se estivesse desativada; as imagens da casa expelem uma névoa bem fina, quase imperceptível.A névoa é sugada pela chaminé, como se fosse o ralo de uma pia engolindo a água.Então a chaminé que estava expelindo nuvens de tempestade para de funcionar.Apesar de a chaminé parar, o tempo não melhora muito; quando Sócrates olha para o lado percebe que a outra mansão expele um volume muito maior de nuvens negras.

Quando olha mais ao longe, vê o que parece ser uma caverna e em outra direção, algo que se parece com um castelo, muito maior do aquela casa em que ele está.

-Deixe o horizonte onde ele está meu amigo, se concentre naquilo em que você está fazendo nesse momento... olhar para o horizonte é bom, porém se olhar o suficiente para se esquecer onde está pisando, pode nunca conseguir chegar para o destino que almeja.

-Sabe, você daria um bom mestre de obras... eu nunca vi uma bronca tão filosófica – diz Sócrates enquanto continua destruindo.

Eu dá um sorriso no canto da boca.Sócrates percebe.

-É impressão minha ou isso é um ensaio de um sorriso?

-Já acabou com esse andar?

-Sim chefinho.Cadê minha marmita?

-Faça um favor a si mesmo e destrua o térreo agora.

Sócrates anda em meio ao teto destruído e desce a escada.Ao chegar no primeiro andar, ele não se empolga muito com a ideia de destruir todas as imagens; fica relutante em destruir muitas imagens da sua adolescência e infância.Ao perceber que Sócrates está parado em frente a uma imagem, Eu pergunta:

- O que foi?

Sócrates está olhando para uma foto em que ele e seus amigos de infância estão jogando futebol.Olhando para a imagem, responde:

-Nem toda lembrança gera dor; algumas trazem apenas...boas saudades.

-A saudade é um tipo mais sutil de dor que se materializa através de uma lembrança específica.

-Algumas dores geram cicatrizes importantes para o aprendizado meu caro.Mas quando uma lembrança gera dor e felicidade ao mesmo tempo, o que se deve fazer?

-Então a deixe no seu lugar.Eu queria livrar você de qualquer lembrança que gerasse alguma frustração, mas parece que muitas recordações que estão aqui lhe trazem paz.

-Eu vou destruir mais algumas, porém a maioria eu vou deixar.

-Faça como quiser.


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