Já tinha passado mais alguns dias, e em cada um deles a única coisa que todas as garotas me via fazer era lamentar. Às vezes Red vinha me abraçar, consolar, quando não era arrastada pelos homens para a parte de fora do sótão.
Todas iam, mas a única que permanecia sempre isolada era eu. Um detalhe que desde a minha chegada intrigava todas elas.- Dulce, é estranho... Eles nunca levam você.
- O que tem lá fora? - tinha curiosidade de perguntar aquilo, mas como todas sempre vinham tão silenciosas eu não me atrevia.
Red ficou desvanecida, olhando ao redor sem lugar certo. Eu já estava certa de que ela ia me ignorar quando de repente a menina respondeu.
- Nós nos prostituímos lá.
Pensei que ela fosse buscar alguma maneira mais sensível de dizer aquilo, mas Red simplesmente disse e voltou a comer a gororoba servida no prato de plástico.
- Coma Dulce. Aproveite que eles têm dado comida esses dias - disse encerrando o assunto anterior.
Eu não comia desde que cheguei, e pretendia me manter daquele jeito. Eu queria morrer, e logo.
- Não! - Reneguei o prato e o afastei com os pés.
Todas olharam medrosas pela minha reação, voltando, retraídas, para as suas zonas de conforto.
- Deixa ela morrer de fome! Chega de dar regalias a essa pirralha!
Red se levantou e fitou Maria com tristeza pelo comentário impetuoso.
- O que tem de errado com você? - questionou.
Mas a briga era minha, e a raiva também. Eu estava farta das indiretas cuspidas durante todos aqueles dias pela tal "mãezona" que para mim parecia muito mais com uma irmã mais velha, chata e insolente, do que com uma mãe.
Minha mãe... Ela era tão terna, tão amorosa...- Isso é um problema nosso Red - Levantei logo em seguida e segurei o ombro de Red, afastando-a para o lado.
Maite também levantou e me olhou bem de cima, tentando me intimidar.
- Qual o seu problema comigo? Te fiz alguma coisa?! - perguntei irritada.
- O que você acha que é isso aqui garota? Uma colônia de férias? - disse irônica, arqueando a sobrancelha - Você rejeita a nossa comida, ignora as regras, grita durante a noite com esses seus sonhos malucos. Se continuar assim eles vão matar você e todos que ama só pelo prazer de foder com a sua vida!
Ela gritava aquelas coisas enquanto todas se recuavam cada vez mais para o canto do cômodo, apavoradas. Meus lábios tremeram prevendo o choro, mas o engoli e me pus bem na frente dela.
Involuntariamente Maria me fez fazer uma reflexão.- Então é isso? - perguntei abrindo os braços para gesticular e olhar cada uma das prisioneiras - Todas vocês se submetem a isso para preservar quem amam?
Algumas choraram ao recordar de suas vidas passadas; das lembranças e momentos perdidos. Mas eu não quis saber. Já era hora de tomar uma atitude.
Andei para mais perto de Maite, e por nem um segundo ela esquivou do meu olhar. Quando ficamos frente a frente, limpei a saliva raivosa que escorria da minha boca, com as mãos trêmulas, e apertei bem os olhos.
- Ótimo. Então eu não tenho nada a perder aqui.
Dito isso, voei para cima dela e nós duas nus pegamos em tapas e socos. Puxões de cabelos, chutes. Ao meu redor, os gritos das garotas e de Red tentando nos afastar foram ignorados. Maite sabia brigar, muito bem, mas eu não fiquei para trás. A raiva amargurada que percorria meu corpo liberou aquela Dulce que pensei jamais existir.
Era uma discursão justa.
Rolamos no chão sujo e depois de uma briga por espaço eu fiquei em cima dela, segurando sua cintura com as pernas, dando mais tapas em seu rosto.A porta do sótão abriu bruscamente e de lá saíram dois dos homens que faziam parte da vigília. Mesmo assim eu não parei, até um deles me segurar pelos braços e me suspender no ar, antes de me lançar nos braços do outro cara enquanto ele também ia pegar Maria.
Fomos paradas, mas mesmo assim não sessamos os xingamentos. Pelo menos não até todos silenciarem e apenas o som de um salto alto bater contra o chão.
Aquele som parecia familiar para todos, menos pra mim.A mulher elegante, a mesma que me acordou no quarto mofado, se aproximou segurando um cigarro perto dos lábios. Ela fez um gesto com a mão esquerda, e como se fossem treinadas, todas as meninas recuaram, num mutirão.
Fui rendida mais uma vez, pelos punhos, até ela chegar do meu lado.
Estirando a mão ela me esbofeteou. Olhei para o chão e grunhi.
- Você é a tal garota que gosta de problemas?
Permaneci calada.
- Acho que está na hora de você conhecer os nossos aposentos. Leve-a.
Ordenou para um dos homens que me segurava.
Foi aí que pela primeira vez desde que cheguei, fui arrastada para fora do sótão.
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Meus olhos foram vendados, ocultando todo o trajeto. Quando a venda foi retirada, demorei um pouco até perceber quem estava na sala. Era apenas eu e a tal mulher.
- Dulce Maria... Hoje nós vamos fazer um teste com você.
- Testar o que? Quer me matar? - eu pensei que sentiria medo em falar algo assim, mas não fiquei.
- Matar? Não! Longe disso - rebateu caminhando até a cadeira, onde se sentou - Você não valeria nada estando morta.
Depois de falar aquelas coisas sem sentido para mim, a mulher voltou a ficar calada, usando o celular para escrever alguma coisa. Do nada ela o levantou e focou no meu rosto. O flash da câmera me disse que ela havia tirado uma foto minha.
Mas naquele estado?Senti um frio na barriga só de pensar no que ela faria com aquela informação. A minha imagem era uma informação perigosa, se a intenção fosse me forçar a fazer o mesmo que todas as outras.
Claro... Aquilo só podia ser uma espécie de cardápio. Uma prévia do que os homens podiam escolher.
Ela ia me forçar a fazer aquilo?Não! Eu não ia permitir.
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Sold
Fanfiction*Fanfic Vondy A fatalidade une o destino de Dulce Escobar, uma garota de apenas dezessete anos, ao de Christopher Wayne, um homem bem mais velho e misterioso que divide opiniões. Para Dulce a vida não é feita de coincidências, e ela tem mais certeza...