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Aquela viagem parecia não ter fim. Quando pensei que estava perto do meu destino, chegamos num aeroclube e fomos direcionados por um dos funcionários até um jato empresarial, particular. Andei a passos curtos, escabreada a cada segundo seguinte.

— Suba senhorita.

A forma como Alfredo falava comigo era estranha. Ele me tratava como se fossemos diferentes, muito além da idade. Era uma espécie de respeito funcional. Desolada, subi a escadaria acoplada ao pequeno avião e entrei.

Na parte interna era ainda mais luxuoso, com detalhes marrons nas laterais. Poucas poltronas, porém, largas e espaçosas. Televisão, música... Música? Desconfiei que o velho estaria enfeitando uma preliminar nos ares, promovendo um ambiente sonoro e "confortável" para mim.

Senti tanta repulsa que cheguei a arrepiar. Aquilo era vergonhoso demais. Mas embora minha mente tivesse previsto todos os detalhes do horror, Alfredo não agiu diferente de como estava no carro. Ele se sentou perto da porta do piloto, estirando uma folha de jornal, depois de me pôr na última poltrona, no lado oposto, continuando a indiferença. Era como se eu nem estivesse lá. Internamente, rezei e supliquei que aquele comportamento perdurasse até o ultimo dia da minha vida. Meus pais, onde quer que estivessem, sentiriam um pesar enorme em me ver passando por tudo aquilo, tão longe do que acreditaram para mim. Eu ia concluir o último ano do ensino médio e logo em seguida partiria para cursar medicina em alguma universidade próxima da nossa cidade.

Encolhi os joelhos, mesmo com aquele vestido quase transparente, e os pus sob a poltrona. Recostei a cabeça no apoio lateral e chorei em silêncio, inibindo qualquer ruído. Cochilei por alguns minutos e só acordei quando, pegando em meus ombros, o homem alertou nossa chegada.

Olhei para o casaco de pele que estava jogado sobre mim e o encarei de forma desconfortável. Alfredo não precisou me dizer que tinha sido responsável por aquilo, pois seu semblante o denunciava facilmente.

A minha peregrinação continuou, e de novo fui posta noutro carro. Dessa vez era uma limusine prateada "estranho, porque até onde eu achava todas eram pretas". Naquela altura eu não fazia ideia de pra onde ele me levaria, mas tinha certeza que estávamos bem longe do calabouço. O caminho foi mais curto do que pensei. Logo chegamos frente um terreno amplo, com grades de ferro desenhadas e dois seguranças. Eles liberaram a passagem, e só depois de alguns metros era possível ver a casa de fundo, cercada por jardins e pinhos. Ela era muito exuberante, mas de uma forma delicada, longe da agressividade de casebres antigos. Aquela construção era antiga e atraente.

Estacionamos próximo das escadarias que levavam para a entrada da casa, e Alfredo desceu, indo para o meu lado da porta, abrindo-a com um gesto em cumprimento. Franzi o cenho e andei para fora, apertando cada vez mais o casaco contra o meu corpo. Era como se pudesse me esconder dos possíveis olhares que viriam, já que o mesmo alcançava meus joelhos.

Ele veio perto de mim, mostrando o caminho por onde seguir. Obedecendo, só parei de caminhar quando passei pela porta e dei de cara com a figura masculina de pé, com os braços cruzados e um paletó engomado. Ele guardou o celular no bolso assim que nos viu entrar. Aquele homem era certamente o mais bonito que vi em toda minha vida.

— Vocês demoraram. — disse como numa canção afinada.

— Desculpe senhor Wayne, fiz o possível para não fazê-lo esperar.

Alfredo reverenciou aquele homem, e as peças começaram a se encaixar na minha cabeça.

Olhando-me dos pés à cabeça, ele conseguiu me intimidar de uma forma descomunal. O tal Wayne parecia tão frio quanto Alfredo. O som do toque do celular interrompeu sua desconfortável análise visual, e sua mão aborrecida arrancou o objeto de dentro do bolso. Pondo as digitais sobre o local onde sua voz seria ouvida ele olhou para o velho.

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