Eu sei que a meu plano era permanecer dentro daquele quarto por um bom tempo, fugindo de qualquer tipo de realidade, mas algo humano dentro de mim exigia respirar e conhecer a casa em que estava a mais ou menos duas semanas.
É, desde que perdi meus pais os dias pareciam passar rápidos e imperceptíveis. Eu não tinha noção do tempo, não sabia nem em que dia estávamos... Era quarta ou quinta-feira?
A rotina que criei se baseava em: comer, dormir, chorar e repetir isso todos os dias. As vezes era diferente quando Alfredo se permitia puxar assunto comigo, ao invés de apenas deixar a bandeja com a minha refeição em cima da mesa de centro e sair.
Coloquei um vestido rosa com bolinhas que estava dentro do closet - acredite, era a única coisa menos infantil que existia ali - e me olhei no espelho para checar se caia bem. Fiz um gesto de reprovação me sentindo ainda mais nova usando aquele tipo de roupa. Um dia contestei Alfredo sobre o "gosto" de quem as comprou e porque pensaram em uma criança de dez anos ao escolhe-las, mas ele apenas riu da minha crítica. Só podia ter sido o tal Wayne... ou Christopher, sabe-se lá como ele preferia ser chamado.
Alfredo falava os dois nomes, então por que não fazer o mesmo?Descontente, parei de me olhar e andei para fora do quarto. Quando destravei a porta a primeira imagem que tive foi de dois homens, enormes, parados um em cada lado. Eles me olharam e deram um sorriso tão fechado quanto os que eu dava. Fiquei um pouco desconcertada, mas endireitei a coluna e olhei para frente, voltando a andar, até que um deles estirou o braço e impediu a minha passagem.
— Sinto muito, senhorita, mas não temos permissão para deixa-la sair.
O QUE?!
— Como assim não posso sair?
— Essas são as ordens.
— Ordens de quem?!
Depois de perguntar tive plena certeza que sabia quem havia feito aquela ordem. Ora pergunta idiota, lógico que foi o dono da casa, quem mais poderia ser? Minhas pernas tremeram de ódio.
Voltei para dentro, possuída, e acabei descontando minha ira nos objetos que decoravam o meu quarto. Lancei travesseiros, desfiz a cama, joguei as cadeiras no chão e quando me virei para jogar um dos livros da estante embutida fui pega de surpresa por "ele" parado ao lado da porta. Mas eu já tinha arremessado a obra de filosofia naquela direção, e com agilidade, o homem desviou do que estava prestes a lhe acertar a cara.
Ele olhou em volta, pegou em seu queixo de uma forma quase que atraente e pôs os braços para trás.
— Isto aqui está uma verdadeira bagunça.
Minha voz sumiu sem avisar e só então pude ver realmente como era. Os olhos castanhos e o cabelo ondulado, quase cacheados, enriqueciam o porte alto, rígido e firme como pedra que ele admitia ao andar. Vindo na minha direção, notei que não era tão velho, mas com certeza tinha mais idade que eu.
— Humm — continuou, me olhando igual da primeira vez que nos vimos — parece que a roupa combina mesmo com você.
Tremi por dentro, calada, apenas ouvindo cada deboche vir da parte dele. Essas roupas ridículas? Acho que alguém está precisando de óculos...
— Quem fez isso também comeu a sua língua?
A pergunta parecia bem mais com uma repreensão do que qualquer outra coisa.
— Desculpe, mas eu não sabia que ia vir — mas que droga! Por que me desculpei com aquele cara?
— Dava para ouvir o som do seu momento por todo o corredor, querida — ele enfatizou "momento" e "querida" de uma forma zombeteira — e meu quarto não é tão distante daqui.
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Sold
Fanfiction*Fanfic Vondy A fatalidade une o destino de Dulce Escobar, uma garota de apenas dezessete anos, ao de Christopher Wayne, um homem bem mais velho e misterioso que divide opiniões. Para Dulce a vida não é feita de coincidências, e ela tem mais certeza...