1. Inverno

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Aquela rua era longa, larga e retilínea, iluminada com fracas luzes amareladas. Poucas janelas estavam iluminadas e alguns letreiros coloridos dos comércios davam uma fraca vida à paisagem monótona de sépia. Ipês amarelos ladeavam a via, resistindo duramente ao tempo frio e o vento rascante que os sacudia perigosamente, fazendo a calçada ficar salpicada de pétalas murchas caídas.
Os moradores evitavam sair e os poucos que assim faziam estavam escondidos sob grossas camadas de roupas, luvas e gorros felpudos. Os carros estacionados nos cantos da rua brilhavam, cobertos pelo sereno da noite sob a luz dos postes.
Mark andava despreocupadamente devagar, como se o frio não o afetasse, apreciando a paisagem gélida. As folhas e pétalas sobre a calçada estalavam secas debaixo do grosso solado de suas botinas pretas. Suas mãos estavam enfiadas nos bolsos do pesado casaco marrom escuro e uma delas girava inconscientemente uma pequena moeda de prata. Sua respiração se transformava em uma fina fumaça esbranquiçada à sua frente e desaparecia instantes depois, dando lugar à próxima expiração quente que saia de seu nariz reto e quadrado.
A mente de Mark vagava sem se fixar em nada específico. Era sua especialidade: esvaziar a mente, não se preocupar com coisas sem sentido e, acima de tudo, não se preocupar demais com nada, a não ser com coisas extremamente importantes.
Sua casa já estava próxima e quando Mark virou a esquina, viu sua pequena residência, pintada de branco, com poucos detalhes e um jardim simétrico que ladeava o caminho de entrada, da calçada até a porta.
Mark atravessou o quintal e entrou em casa, batendo a porta atrás de si. A sala estava impecavelmente arrumada e poucos detalhes compunham o cenário. Havia um sofá e uma poltrona reclinável com uma mesinha de centro sem enfeites. Em um dos cantos havia uma pequena escrivaninha de mogno com um computador, algumas canetas num potinho azul e a foto de uma bonita mulher de cabelos castanhos encaracolados e olhos verdes.
Aquela era a melhor adaptação de vida que Mark havia construído para si mesmo, desde a partida de Liz. Trabalhava em sua gráfica durante o dia e todas as noites caminhava pelas ruas do bairro. O espaço que Liz havia deixado nunca fora preenchido por ninguém. Na verdade, Mark nunca havia sequer tentado preencher o vazio que ela deixara em sua vida. Sem contato e sem uma troca de palavras durante três longos anos não deixaram-no totalmente sem esperança de voltar a ver a mulher.
Aquela casa ainda tinha o toque dela. Os móveis dispostos como ela gostava e os objetos no mesmo lugar de sempre e era por isso que Mark ficava tão pouco em casa. Tudo remetia a Liz e ele não tinha coragem de mudar, pois ainda nutria um amor cativante por ela.
Mark se largou no sofá da sala sem acender as luzes, fechou os olhos e por alguns momentos permitiu que a sua mente buscasse as memórias de sua ex-esposa. Eram memórias de momentos felizes, memórias agradáveis que o tranquilizava profundamente, mas depois acabavam por deixá-lo triste.
De um salto Mark se levantou. Aquilo tinha que acabar mais cedo ou mais tarde. Liz não estava ali e não voltaria. Isso tinha ficado bem claro no dia em que ela partiu. Mas Mark não havia entendido muito bem as motivações da mulher. Ele tinha feito tudo certo, fora um bom marido, trabalhara bastante - as vezes até demais - para dar uma vida boa e sem restrições para Liz, viajaram juntos, fizeram planos para o futuro, pretendiam ter filhos e tudo tinha ido por água abaixo de uma hora para outra. Sem muitas explicações ela disse que aquela não era a vida que ela tinha sonhado e que faltava alguma coisa para ela ser realmente feliz. Alguma coisa que Mark não poderia dar. Então ela partiu.

Continua...

Um inverno entre nós (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora