12. Ansiedade

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  Eram cinco e meia da manhã e Mark estava sentado à mesa da cozinha de sua casa, comendo uma fatia de pão de forma com geleia de morango. Uma xícara de café sobre a mesa fumegava a sua frente. Da janela da cozinha dava para ver o céu começando a tingir-se de um púrpura avermelhado, fazendo as últimas estrelas piscarem opacas no manto escuro e impenetrável que se estendia sobre elas.
  Ele havia acordado cedo. Seu sono, pontuado de sonhos desconexos, não havia fluido normalmente durante essa noite e ele havia desistido de tentar dormir novamente, então se levantou. Ficou pensando na ligação que Anne lhe fizera na quinta-feira à noite e na espera interminável que havia suportado durante toda a sexta-feira. Somente no final da noite o celular havia tocado com o conhecido sinal de mensagens e Mark deu um pulo da cama, quase fazendo o aparelho saltar de cima do criado-mudo. Ele pegou o celular e abriu a notificação que sinalizava o nome de Anne, previamente salva em sua agenda.
  "Oi Mark. Tudo bem? Amanhã eu vou conversar com Jake. Vou terminar o namoro. Mandei uma mensagem para ele avisando que precisamos conversar. Marquei de ir à casa dele na parte da manhã. Nunca fiz isso em toda a minha vida. Sei que nós já não estamos nos dando bem há algum tempo mas não quero causar um mal-estar ainda maior. Espero que ele entenda. Vou lhe dar notícias. Abraços, Anne."
  Mark leu a mensagem três vezes e não conseguiu conter o sorriso que se formava em seu rosto. Enfim, ele estaria com o caminho livre até Anne. Não precisaria recear mais em estar num relacionamento desonesto. Tinha certeza de que tudo sairia bem. Mark respondeu a mensagem de Anne com poucas palavras pois achava não ser necessário se prolongar muito.
  "Vai dar tudo certo. Vou esperar você me ligar. Boa sorte! Mark"
  Agora, vendo o céu se clarear pela janela da cozinha, um turbilhão de pensamentos invadiam forçosamente a mente de Mark, deixado-o confuso, com sentimentos que transitavam entre a ansiedade, a felicidade e a preocupação. A qualquer momento durante essa manhã, Anne estaria na casa de Jake, dando-lhe uma notícia que certamente ele não gostaria de ouvir. Qual seria a reação dele? Ele aceitaria bem ou iria começar uma discussão? Mark apostava todas as fichas de que Jake ficaria com a segunda opção e essa era a parte que o estava preocupando.
  Mark imaginou Jake esbravejando e fazendo gestos exagerados na intenção de intimidar Anne, enquanto ela se espremia contra o assento de um sofá, amedrontada demais para falar. Somente o fato de imaginar essa cena fez Mark repugnar Jake ainda mais, a ponto de sentir-se enojado pela visão do homem.
Ele levantou-se assim que os primeiros raios da luz matinal começaram a invadir a cozinha e colocou as louças na pia, concedendo-se o direito de não lavá-las na água congelante que provavelmente sairia da torneira. Mark fez sua higiene, vestiu uma roupa quente e saiu pela porta da sala. Precisava fazer passar o tempo, então optou por fazer uma caminhada.
  O sol que agora emitia uma ofuscante luz branca, estava falhando miseravelmente em sua função de aquecer o ar. Mark sentiu seus dedos doerem e a impressão que tinha era que seu nariz congelaria a qualquer momento. Um pouco de neve estava depositada sobre a calçada e estalava debaixo da bota de camurça amarela de Mark. Uma touca marrom cobria-lhe a cabeça, protegendo suas orelhas do frio rascante e escondendo seu cabelo farto, dando mais destaque à barba cerrada que emoldurava seu rosto de ângulos quadrados.
  Mark enfiou a mão nos bolsos da jaqueta e inconscientemente começou a girar uma pequena moeda que estava ali. Quando se deu conta, já havia andado mais de um quilômetro e meio pela rua e estava somente há alguns passos da Avenida Europa, a mais movimentada avenida da cidade, onde se localizavam a maioria dos grandes comércios.
  A avenida estava apinhada de gente, apesar de ainda ser bem cedo. Certamente muitos, se não a maioria, estavam indo para o último dia de trabalho da semana. Alguns comércios, sobretudo os que vendiam comida, já estavam abertos e muitas pessoas tomavam seus cafés e chás nas diversas padarias que pontilhavam a via.
  O movimento de veículos era intenso e podia se ver o ar quente que saia dos canos de descarga dos carros se condensar em uma fumaça branca de vida curta.
  Mark parou perto de um semáforo e esperou até que os carros parassem diante da luz vermelha. Ele atravessou os dois lados da avenida, que eram separados por um extenso e bem cuidado canteiro de Sakuras rosas, que resistiam heroicamente ao vento e às baixas temperaturas, trazendo ao local um ar gracioso e confortável.
  Ele continuou a caminhar, até dar a volta e chegar pelo lado contrário ao que tinha saído de sua rua. Mark entrou no quintal, deu a volta em sua casa e entrou pela porta da cozinha. Após beber um generoso copo de água, se jogou na cadeira e colocou o celular sobre a mesa, se perguntando a que horas receberia alguma ligação de Anne. Ficou sentado ali por quase uma hora com a cabeça cheia de pensamentos.
  Mark cruzou os braços sobre a mesa e debruçou a cabeça sobre eles. Aos poucos sentiu seus olhos pesarem e o sono foi inevitável.
  Ele se viu sentado na rua, em frente à lanchonete. Sentia o chão gelado sob seu corpo, mas isso não o incomodava. Olhou para baixo e viu que suas pernas estavam cobertas de neve, como se ele estivesse ali há muito tempo. Então, de onde ele estava, viu a porta da lanchonete se abrir bruscamente e Anne saiu com expressão horrorizada no rosto. Atrás dela vinha Jake segurando com uma das mãos o cabelo ruivo da mulher e a outra mão apertava com força exagerada o braço direito dela. Mark tentou se levantar mas seu corpo não se mexia. De repente Anne o viu e gritou. Mark tentou entender o que ela gritava mas o som não era de sua voz. Ela abria a boca mas o som que saia era como se fosse de algo trepidando, então tudo se apagou e ele deu um salto.
Mark acordou e viu de onde vinha o som. Seu celular tocava e na tela estava o nome de Anne.

Um inverno entre nós (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora