6. Notado

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O macio e confortável sofá da sala pareceu desconfortavelmente duro quando Mark acordou na manhã do domingo. Sua perna direita estava dormente e suas costelas latejavam, como se pedissem incessantemente para que ele se levantasse. Seus pensamentos estavam um pouco difusos e durante vários minutos ele ficou imóvel, sem saber se levantaria ou se tentaria dormir um pouco mais.
Aos poucos se lembrou dos acontecimentos do dia anterior e chegou a rir de si mesmo. Depois de uma noite, recordar aquilo lhe deu a certeza de que estava no caminho certo. Sua vida iria seguir sem Liz. Era inegável que ainda sentia algo por ela, mas para ele, sentimentos não correspondidos tinham uma grande tendência a morrer e os dele por Liz estavam entre a vida e a morte.
Mark se levantou, decidido a não sofrer nem por Liz e nem por aquela mulher desconhecida que vira na lanchonete. Sem dúvidas o tempo se encarregaria de trazer alguém até ele.
Durante todo o dia Mark se ocupou em sua casa. Cuidou do jardim, organizou a garagem, a oficina e jogou no lixo algumas fotos de sua ex-mulher, incluindo as que havia guardado há alguns dias. Já no fim da tarde, depois de um demorado banho quente, se agasalhou e saiu com seu Jeep em direção ao South Garden Shopping. Não tinha programado nada mas a sua intenção era de ver algum filme que estivesse em cartaz no cinema.
O estacionamento do shopping estava lotado e Mark já havia se esquecido do como era frequentar aquele lugar. Pessoas indo e vindo em várias direções. Crianças com seus pais, adolescentes passeando e alguns jovens namorando. Muitas pessoas com seus lanches quentes, tentando espantar o frio e muitos decidindo dentro das lojas e em frente às muitas vitrines altamente iluminadas o que levariam para casa.
Mark foi calmamente observando tudo, sem se deter em nada, até chegar às salas de cinema. Das muitas opções, ele descartou por motivos óbvios os dramas e os romances. Enfim, optou por uma ficção científica chamada Interestelar. Já ouvira falar do filme e estava torcendo para não ter um romance meloso embutido na trama e realmente não havia. Saiu satisfeito algumas horas depois e após fazer um lanche em um McDonald's lotado, foi para casa.
Sua mente estava leve e ele sentia-se bem, incapaz de perturbar a própria paz com pensamentos negativos.

***
Na semana que se passou, Mark viu-se mergulhar em um mar de tranqüilidade. "Era assim que eu deveria ter vivido esses três anos" - pensava sozinho.
Suas tristes e monótonas caminhadas noturnas foram abandonadas e os dias passavam mais rapidamente. Mary, sua funcionária da gráfica, havia notado a mudança e fazia questão de evidenciar isso.
- Que bom que aquele Mark aborrecido foi embora - disse ela sorrindo.
- Ele está morrendo, Mary, morrendo - respondeu Mark em tom de brincadeira.
- Eu espero que o antigo volte! Confesso que era bem mais legal.
Ele sorriu pois sabia mais do que todos que Mary estava certa.
No sábado, no fim da tarde, Mark estava lendo o jornal que havia chegado pela manhã. A pequena varanda à porta da cozinha abrigava uma mesinha de madeira maciça e uma cadeira de balanço que Mark achava um tanto antiquada, mas sentia-se incapaz de se desfazer, pois gostava dela.
O antigo móvel rangia levemente, balançando para frente e para trás enquanto Mark folheava o jornal. De repente uma pequena notícia chamou sua atenção. Era um show de música acústica de um artista local. Mark já ouvira falar dele e achou que valeria a pena conferir. Sem pensar duas vezes, ele se levantou, tomou seu banho, vestiu uma roupa mais adequada do que os muitos jeans desbotados que possuia e saiu em direção ao endereço especificado.
A rua estava vazia, então Mark escolheu uma vaga próxima a entrada e estacionou o seu carro. Um homem bem trajado tomava conta da porta e recebia os valores da entrada.
O local era um bar elegante, decorado com muitas luminárias japonesas rosadas, que pendiam de diversas alturas diferentes, vindas do teto abaulado. As muitas mesas estavam espalhadas de maneira simétrica e a decoração sobre elas incluía um pequeno arranjo com flores vermelhas e amarelas e duas pequenas velas, o que Mark achou um enorme desperdício ocupar uma sem alguma companhia.
Mark escolheu uma mesa mais ao fundo, e após alguns minutos um garçom vestido intencionalmente com uniforme combinando com a decoração veio atender. Após uma rápida olhada no menu, escolheu apenas um vinho tinto seco.
O ambiente começou a ficar um pouco mais movimentado a medida que mais pessoas iam chegando, escolhendo suas mesas e fazendo seus pedidos aos diversos garçons que circulavam pelo ambiente.
As luzes diminuíram a intensidade, dando ênfase a iluminação sobre o pequeno palco que tinha uma banqueta alta, uma mesa esguia é um bonito violão preto em um suporte.
O cantor subiu no palco, apresentou-se como Josh Lee e começou a cantar uma música lenta, dedilhado de forma impecável seu violão com doze cordas.
De repente houve uma pequena movimentação à porta do bar e todos olharam, alguns com curiosidade, outros com ar de reprovação. Quando Mark se virou, seu coração deu um salto descompassado. Uma mulher ruiva discutia com um homem que apontava para dentro e para fora e falava alto, parecendo insatisfeito por estar naquele lugar. Ele segurou o braço da mulher e tentou puxá-la para fora do hall de entrada. Mark apertou a borda da mesa segurando-se para não levantar. "O que aquele homem estava pensando, tratando uma mulher daquela forma?" - era o pensamento de Mark.
A mulher desvencilhou-se do homem e entrou rápido no bar, notavelmente abalada. Seu queixo estava contraído e seus lábios crispavam de raiva. O homem tentou seguí-la mas o guarda que estava na porta o impediu de entrar.
A mulher se recompôs e vasculhou o local a procura de uma mesa. Ela caminhou pelo fundo do bar, passando atrás de Mark, ignorando os olhares dirigidos a ela e sentou-se à duas mesas dele. Foi então que Mark percebeu que estava apertando demais a borda da mesa, de forma que seus dedos começavam a latejar.
"Quem era aquele homem? Como podia deixar uma mulher naquele estado?" - pensou Mark, alimentando uma antipatia imensa pelo homem.
De relance ele olhou para ela, sentada sozinha. Ela estava bonita e bem arrumada, com seu vestido azul, justo e brilhante, contrastando com seus cabelos laranja-avermelhados. Foi inevitável imaginar que eles poderiam ocupar a mesma mesa.
Foi como se o pensamento de toda a semana que havia passado tivesse sido apagado. Mark estava desejando aquela mulher. Queria ficar perto dela, sentir o seu perfume. Ele não se culpava por querer, mas havia prometido a si mesmo que não sofreria sem necessidade. Se o destino quisesse colocá-la em seu caminho, ele que se encarregasse de fazer isso sozinho.
Mark já não prestava atenção às músicas que Josh cantava e só pensava que a visão daquela mulher deslumbrante poderia ser eterna. Então, mais rápido do que Mark pudesse pensar, a mulher o encarou e se levantou.

...continua...

Um inverno entre nós (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora