16. Incontrolado

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Eu estava indignado.

Eu estava com raiva.

Eu precisava me acalmar.

Esperei algumas horas se passarem para tomar alguma atitude. Eu teria que fazer alguma coisa. Anne não me faria de bobo. Não me deixaria daquela forma.

Consultei o relógio. Eram duas da tarde. Dentro de quinze minutos ela entraria no trabalho e eu esperaria pacientemente por ela.

Ela era minha. Eu havia feito tudo por ela. Tudo que estava ao meu alcance, é claro, mas ainda assim, isso era muito.

Como ela poderia me recusar? Eu que era novo, rico e bonito, como as outras mulheres diziam.

Ela não encontraria alguém como eu. Não aqui nessa cidade. Mas ela voltaria para mim.

Eu precisava dela.

...

Vesti uma roupa bonita. Uma camisa azul, calças jeans, jaqueta de couro preto e um Nike casual. Essa roupa deixava aparente o meu corpo bem definido. Anne sempre falava que combinava comigo e eu teria que causar nela uma boa impressão.

Não precisei esperar muito. Quando sai de casa eram oito e meia da noite. Dentro de quarenta e cinco minutos ela sairia do trabalho e teria que conversar comigo.

Eu teria que manter a calma. Não poderia me estressar com ela. Eu tinha certeza que ela se irritaria se acontecesse algo assim.

Demorei dez minutos para chegar à Royals lanchonete. Estacionei o meu Land Rover numa rua fora de vista e esperei do lado de fora. Quando saísse eu iria até ela.

Não demorou muito. As nove e vinte ela saiu, junto com outras duas moças e a dona do estabelecimento. Enquanto a proprietária fechava a loja, Anne seguiu na direção contrária a das outras duas. Esperei ela se afastar um pouco e fui a passos rápidos em sua direção.

Atravessei a rua e andei atrás dela até chegar próximo o bastante para ela me ouvir.

- Anne - chamei.

Ela diminuiu o passo mas não olhou para trás.

- Anne, espera.

Ela estava me ignorando. Dei uma leve corrida com cuidado para não deslizar na calçada escorregadia salpicada de gelo e coloquei a mão no ombro dela. Ela se virou tão rápido que era impossível que não estivesse esperando meu toque.

- O que você quer, Jacob?

Eu não estava esperando aquela frieza na voz dela. Ela deu um passo para trás, se afastando de mim.

- Eu só achei que nós poderíamos conversar um pouco.

- Eu não tenho nada para falar com você - disse ela, virando-se e continuando seu trajeto.

- Anne, por favor. É assim que você quer acabar com tudo?

- Isso já acabou há muito tempo, Jacob - disse ela com o passo apressado.

O toc-toc dos sapatos dela contra a calçada ia acelerando cada vez mais. Dei mais uma corrida e agarrei o braço dela com força. Ela se virou para mim, tentando se desvencilhar mas eu não soltei. Ela puxou o braço e apertei com mais força. O rosto dela se contraiu numa mistura de raiva e dor.

Então mais rápido que um raio eu senti o impacto e uma dor intensa. Meu ouvido direito começou a fazer um zunido agudo e eu tombei desequilibrado para o lado, deslizando no gelo da calçada. Cai de peito no chão, minha cabeça bateu e minha visão se embaçou por alguns instantes.

Tudo doia.

Tentei me recompor quando alguma coisa bateu em minha barriga. Pude ver de relance um pé com uma bota masculina. Tentei agarrar a perna da pessoa, sem sucesso. Um, dois, três chutes.
Arquejei sem fôlego. Eu estava ficando sem ar.

Então parou. Vi um homem dar alguns passos para trás.

- Chega Mark, por favor - era a voz de Anne, suplicante.

Puxei o ar ofegante. Foi como se eu estivesse me afogando e me dessem um pouco de ar para respirar. Tossi, tentando afastar a dor.

Olhei devagar para o lado e pude ver os olhos de Anne me encarando horrorizada, enquanto segurava com força o braço de um homem.

Nos olhos dele havia ódio e pela primeira vez em muito tempo eu senti medo de alguém. Os cabelos dele estavam bagunçados, como se houvesse corrido e o suor descia pelo queixo, deixando-o com uma aparência macabra.

- Mark... Mark - chamou Anne sacudindo o braço do homem.

Ele não parecia ouvir. Percebi que Anne não conseguiria segurá-lo se ele tentasse avançar novamente. Eu precisava levantar.

Fiz uma força enorme para me colocar sobre os meus joelhos. Tudo estava doendo e eu senti um leve gosto de ferrugem na boca. Cuspi no chão só para ter certeza. A neve tingir-se de vermelho abaixo do meu rosto.

Levantei-me com muita dificuldade e sentei-me na beirada do jardim da calçada. O homem me encarava com uma raiva quase palpável.

- Então é isso? - perguntei olhando para Anne - Você me trocou por esse cara aí?

Minha boca estava latejando por causa da pancada no chão. Aquele miserável iria me pagar. Anne não respondeu à minha pergunta.

- Vai embora daqui, Jake - disse ela.

Olhei em volta. Algumas pessoas já haviam notado a confusão e paravam espreitando pelos cantos.

- Sua vadia! - grasnei irritado.

O chão estalou debaixo dos pés do homem e ele deu dois passos em minha direção, antes de ser parado por Anne. Ela colocou as mãos no peito dele tentando impedi-lo.

- Mark, por favor, por favor, pare! - ela estava implorando - JAKE, CALA ESSA BOCA E VAI EMBORA! - ela gritou.

Pela primeira vez ele olhou para ela e o seu rosto se suavizou.

- Por favor, Mark, controle-se.

- Anne, eu não queria...

- Mark, o que está feito, está feito.

Ela se virou para mim, olhando de cima para baixo. Eu os detestei por isso. Logo eu, sendo humilhado por um cara desses. Ele estava com a minha mulher.

Levantei-me vagarosamente, sentindo todo meu corpo latejar. Eu senti vergonha e raiva de mim mesmo. Não havia conseguido revidar nenhuma vez.

- Jake, vai embora - ela disse.

Eu conhecia muito bem aquela mulher. Ela estava com pena de mim.

- Você vai se arrepender, Anne. Vocês dois. Isso não vai ficar assim.

Dei três passos para trás e escorreguei novamente. Vai com um dos joelhos no chão e me levantei rápido, ignorando a dor lancinante em minha perna.

Virei-me e fui andando o mais rápido que pude.

Eles iriam me pagar.
Eles iriam ter troco.
Eu não iria perder.

Um inverno entre nós (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora