13. Decisões

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Mark não demorou nem dois segundos para notar o nome de Anne e avançar vorazmente sobre o celular. Suas mãos tremeram e seu coração deu algumas batidas descompassadas antes que ele deslizasse o dedo pela tela do aparelho atendendo a ligação.
- Anne! - exclamou ele imediatamente - Onde você está?
- Mark... - disse ela em meio a um som nasal.
Nesse momento o sangue saiu do rosto de Mark e ele tentou balbuciar uma palavra que jamais saiu. Ela estava chorando. O som de soluços entrecortados com a voz da mulher deixou Mark paralisado. Ele sentiu que suas pernas haviam se transformando em borracha e só não desabou porque já estava sentado.
- Mark... eu estou bem.
Mark notou que, apesar do choro, a voz de Anne não estava triste e ela deu uma risadinha em meio aos soluços, então Mark suspirou alto e deixou sua cabeça recostar à mesa. A voz de Anne tinha sido como um bálsamo para ele, apesar de não deixá-lo menos tenso.
- Anne... - disse ele quase sussurrante - o que você... onde...
- Mark - interrompeu ela, já sabendo inconscientemente que ele seria incapaz de formular uma frase coerente - Mark, eu estou bem. Já estou na minha casa.
Mark ouviu um som de fungado e notou que ela já estava parando de chorar.
- Porque você está chorando? - as palavras saíram urgentes sem mesmo que Mark pudesse pensar.
- Eu não consegui me conter. Vim até aqui me segurando. - ela suspirou - Ah, Mark, eu nunca fiz uma coisa tão difícil em toda a minha vida. Eu cheguei na casa de Jake bem cedo. Os pais dele ainda estavam lá. Foi uma conversa tensa e rápida.
A voz dela havia se embargado novamente.
- Anne, eu posso me encontrar com você? Eu te busco onde você estiver.
Ela pareceu hesitar por um mísero instante.
- Mark, eu preciso de um pouco de tempo. Tudo isso é tão complicado.
- Desculpe-me. É que eu... eu só achei que nós poderíamos conversar juntos em algum lugar.
- Tudo bem - disse ela em tom de desculpa - Não é sua culpa eu estar assim. Todas as decisões foram minhas e em momento algum me senti pressionada por você.
- Eu nunca faria isso com você.
- Eu sei - disse ela com a voz suave e chorosa.
Durante alguns segundos nenhum dos dois disse nada. O único som que ouviam era da respiração um do outro. O desejo de Mark por Anne aumentava ainda mais e ele sentiu-se fustigado pela sensação de que teria que esperar mais um pouco, ainda que agora seu caminho estivesse começando a se abrir.
- Mark, se você quiser... - ela hesitou - se você quiser pode me buscar.
Mark piscou várias vezes antes de entender o que Anne havia dito.
- Mark...
- Oi... há sim... Eu vou... Chego aí em vinte minutos.
Então Anne riu. Para Mark, o riso mais cristalino que ele já ouvira e ele notou que ela estava achando graça dele.
- O que foi?
- Mark, você não sabe nem onde eu moro!
Foi então que Mark percebeu que nenhum dos dois tiveram a curiosidade de saber onde o outro morava.
- Realmente - disse ele começando um coro de riso com Anne.
Eles riram de si mesmos e riram um do outro, como se não houvesse amanhã. Um riso de nervosismo e pura felicidade que estava oprimido há muito tempo por ambos.
Mark sentiu-se como uma criança que acabara de ganhar um bonito presente muito desejado. Era como se o simples fato de rirem juntos tivesse clareado seus horizontes e tirado um peso morto que estava enraizado há muito tempo em seu peito.
Quando conseguiram se conter, Anne pediu para Mark esperá-la no quinto quarteirão depois da lanchonete, indo em direção à avenida Europa. Em um dos prédios desse quarteirão Anne tinha um pequeno apartamento alugado.
Após desligar o telefone Mark ficou sentado por mais um ou dois minutos, feliz demais para tomar uma outra qualquer atitude. Foi então que notou que sua perna estava formigando, devido ao longo tempo em que havia ficado sentado na cadeira não tão confortável da cozinha.
Ele levantou-se devagar, batendo o pé levemente no chão, até que o formigamento passasse voluntariamente. Mark foi até o quarto, e olhou-se no espelho. Julgou que sua roupa estivesse adequada, porém tirou a touca que agora deixava suas orelhas à mostra, fazendo-as parecer orelhas de abano. Correu para o banheiro, ligou a torneira da pia e passou um pouco de água nos cabelos, fazendo-os parecer mais escuros.
Já na garagem, entrou em seu Jeep Cherokee, e saiu devagar, tomando cuidado com os restos de neve no asfalto. O coração de Mark batia disparado, como se fosse o primeiro encontro dos dois.
Ele passou devagar em frente à lanchonete, fazendo questão de dar uma olhada lá para dentro. Naquele lugar haviam acontecido os dois primeiros contatos com Anne, ainda que o segundo tivesse sido um tanto frustrante. Na concepção de Mark, tudo havia contribuído para um bem maior, mesmo saindo dali desconsolado e sem expectativas de um futuro romântico com ela. Mas a vida lhe dera um destino diferente e ele havia se aproximado de Anne e conseguido sua atenção.
As mãos de Mark suaram ligeiramente, ao se aproximar do local. Não sabia ao certo qual prédio era, mas antes que pudesse tentar adivinhar, ele viu Anne saindo pela porta de vidro do edifício mais antigo.
Ela estava deslumbrante com seus cabelos soltos. A calça jeans preta nao muito justa combinava perfeitamente com a bota de couro preto. Sua blusa verde com gola de pêlos ondulava organicamente enquanto ela caminhava para a beirada da calçada. Ela parou antes que Mark pudesse chegar até ela e se encostou em um poste de metal, de onde pendia uma placa verde de trânsito. Anne olhou para os lados mas não viu Mark até o momento que ele parou o carro em seu lado. Ela deu um pequeno sobressalto, pois não conhecia o carro dele e o rosto dela se estampou em um sorriso claro e bonito assim que o viu.
Ela colocou a mão na maçaneta da porta e encarou Mark por alguns instantes através do vidro esverdeado, então deu um puxão e abriu a porta. Antes mesmo que ela pudesse se acomodar no banco, Mark sentiu o perfume que ela exalava. Uma fusão de flores e frutas doces, altamente convidativo e atraente.
Mark inspirou discretamente, como se quisesse todo aquele cheiro só para si. Ela olhou para ele e continuou sorrindo, enquanto ele olhava para frente.
- Onde vamos? - perguntou ela.
Mark estava sentindo seus pés tremerem levemente. Ele sorriu e olhou para ela.
- Onde você quiser.
- O cavalheiro aqui é você. - disse ela tombando lentamente a cabeça para o lado - Tem a liberdade para escolher.
O movimento dela fez o carro se encher mais ainda do perfume quente que ela exalava.
- Bem, eu poderia te convidar para ir até a minha casa, mas acho que você...
- Está ótimo. Eu quero ir. - ela o interrompeu.
Mark estacou por alguns instantes e apertou forte o volante. Não imaginava que teria coragem de fazer aquele convite e muito menos que Anne responderia daquela forma. Ele deu um sorriso nervoso.
- Bem, eu posso preparar um almoço para nós.
Nesse momento ele se achou um completo idiota. Tanta coisa para falar e ele havia se oferecido para fazer comida. Sentiu-se totalmente fora de forma no assunto "conversas com mulher".
- Eu gostaria de ver suas habilidades com as panelas!
Ela afivelou o cinto de segurança e colocou as mãos sobre as pernas.
- Acho que você está gastando combustível à toa, Mark. Nós estamos parados e seu carro está ligado.
Mark engoliu em seco e passou a língua sobre os lábios, depois engatou a primeira marcha e arrancou com o carro. Ele teve a sensação de que seus joelhos estavam tão firmes quanto uma gelatina e não confiou em si mesmo para acelerar um pouco mais o carro, então foi dirigindo devagar pelas ruas frias. Nem Anne e nem ele falaram durante o trajeto e Mark teve a sensação de que o percurso estava durando uma infinidade de tempo.
Quando Mark começou a entrar na rampa da calçada de sua garagem, Anne fez uma cara surpresa.
- Que casa linda, Mark.
- Obrigado - respondeu ele sorrindo e quase completou com um "Pode ser sua, se quiser", mas se conteve.
O ronco do motor do carro cessou quando Mark girou a chave na ignição. Ele esfregou as mãos nos joelhos para secar o suor que começava a minar ali, desceu, deu a volta no carro e abriu a porta para Anne sair.
Ela desceu olhando para Mark e ele notou que apesar do sorriso no rosto, os olhos dela estavam preocupados.
Eles entraram em casa e sentaram-se no sofá da sala. O ambiente pareceu para Mark extremamente completo com ela por ali. Sentiu que Anne era tudo que faltava para ele. Alguém para compartilhar todos os momentos. Alguém para beijar antes de sair para o trabalho. Alguém para o receber quando chegasse em casa. Coisas simples que, para ele, eram os sinônimos da felicidade. E agora ela estava ali, a meio metro de distância, sentada no sofá de sua casa. O sofá em que muitas noites ele passara sozinho nos três últimos anos, sem condições de dormir no próprio quarto vazio.
Ele olhou atentamente para o rosto dela por alguns segundos e não teve dúvida alguma de que estava apaixonado. O rosto dela o arrebatava de tal forma que qualquer palavra que ele pensava se recusava conclusivamente a sair de sua boca.
Anne baixou os olhos, um pouco constrangida com o olhar de Mark e quando voltou a erguer a cabeça, seus olhos estavam marejados.
- Mark, - começou ela antes que ele pudesse falar alguma coisa - eu tive que me esforçar muito para chegar a este ponto.
Uma lágrima desceu devagar pelo rosto dela, deixando um fino rastro úmido, indo se pendurar sob seu queixo arredondado.
Mark sentiu um aperto no peito. Não queria vê-la chorando.
- Anne, se você não quiser...
- Eu prometi que iria te contar Mark e geralmente eu cumpro as minhas promessas. Não quero que essa história se repita para mim.
Ela apertou os punhos cerrados contra os joelhos e levantou os ombros e isso a fez parecer mais frágil do que o normal.
- Faça diferente por mim, Mark. Faça-me feliz.

Um inverno entre nós (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora