28. Sonho

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Mark era um homem incrível. Correto, trabalhador, amoroso e gostava de cuidar daquilo que era seu. Em minha mente, era um homem perfeito. Novo e responsável, diferente de muitos que existiam mundo afora e, além de tudo isso, ainda era bonito. Não uma beleza estonteante de um deus grego, mas uma beleza com um charme que o deixava irresistivelmente atraente. E vendo essa obra perfeita, eu fiquei perdidamente apaixonada por ele.

Na primeira vez que o vi, antes de começarmos um diálogo, ele havia me deixado completamente desconcertada. Ele me encarou de uma forma que eu não pude ignorar. Era profundo e cativante, conquistador e ameaçador.

Então, depois daquele dia, eu me pegava pensando nele diariamente. Ele era o fruto dos meus sonhos.

A voz dele me encantou ainda mais. Baixa, grave e melodiosa, com um leve sotaque interiorano. Seus olhos pretos pareciam impenetráveis, e por mais que eu olhasse para eles, não conseguia extrair nada dali. Somente um encanto que ele mesmo deixava transbordar propositalmente.

Nos primeiros encontros eu parecia estar flutuando ao ficar frente a frente com ele e nosso primeiro beijo foi leve, singelo e encantador. Daquele momento em diante eu descobri que não poderia viver sem ele.

Quando eu estava com Mark, tinha a sensação de estar cercada por uma fortaleza. Ele me protegia e me deixava em segurança.

***

Nos casamos pouco tempo depois de nosso noivado e tudo foi um mar de rosas durante um bom tempo. Eu havia conseguido conquistar um homem bom e de caráter, diferente de minha mãe que havia sofrido e sido abandonada pelo homem que era o meu pai. Pai esse que não tenho recordação alguma e nem jamais poderia ter, afinal, ele já estava à sete palmos debaixo da terra.

Tudo o que eu queria era um bom casamento e eu iria fazer de tudo para dar certo, então, quando Mark me pediu para largar o trabalho, eu fiz sem questionar. "O homem deve suprir a casa", dizia ele. Achei que fosse um ato de certa forma carinhoso da parte dele. Talvez quisesse me poupar do cansaço do dia-a-dia. Ledo engano.

Mark sempre me queria por perto nas festas e nas reuniões com os amigos e eu não conseguia ficar mais do que poucos minutos junto com minhas amigas. Mas ele nunca se mostrava bravo ou ofendido comigo. Fazia tudo de forma tão carinhosa que era impossível de negar aos seus pedidos. Se negasse perto de seus amigos, iria parecer que eu era insensível enquanto ele demonstrava amor. Na verdade, eu mesma tinha dúvidas se aquilo era só o cuidado da parte dele ou se era possessão.

Todas as decisões que tomavamos em casa tinha que ter o aval dele e mesmo se alguma ideia partisse de mim, ele alterava alguma mínima coisa para, no fim, parecer que a resolução era dele.

Eu nunca soube como abordá-lo a esse respeito. Se tivesse feito, talvez eu não tivesse tomado aquela decisão. A horrível decisão que havia acabado com meu casamento. Eu estava me sentindo mal junto com Mark, mas eu o amava muito. Na mesma hora que o desejava por perto, sentia certo incômodo com a presença dele.

Cogitei deixar Mark em segredo e nunca mais aparecer, mas isso me taxaria como uma mulher ruim, então, resolvi que teria que suportar mais um pouco. Talvez criasse coragem e me abrisse com ele.

Mas gota d'água viria logo a seguir.

No início da noite de uma quinta feira, assim que Mark chegou da gráfica, pedi para que me deixasse um pouco sozinha. Eu não estava bem. Estava extremamente estressada, como nunca havia ficado e qualquer coisa me tiraria do sério. Se naquele dia ele tivesse insistido em me questionar, talvez eu conseguisse falar tudo o que estava me incomodando, mas não foi o que aconteceu. Ele apenas beijou minha cabeça e foi para a sala e se deitou no sofá.

O jantar daquela noite foi pontuado apenas pelo tilintar dos talheres nos pratos. Quando ele me perguntou o que eu tinha, apenas respondi que estava chegando naqueles dias e essa foi a única conversa que tivemos.

Nos três dias que se passaram, meu humor não melhorou nem um pouco e Mark começou a se preocupar comigo. Os questionamentos dele me irritavam, assim como a sua voz.

Na segunda feira acordei de péssimo humor e notei que Mark estava se preparando para ir trabalhar. Fingi que estava dormindo e, quando ele me beijou para sair, apenas resmunguei algo que não me lembro mais.

Então, o que eu mais temia começou a acontecer. Levantei-me, fui direto para o banheiro e antes que pudesse me dar conta, eu estava ajoelhada em frente à privada, nauseante e com uma tontura horrível. Fiquei ali pelo que pareceu uma hora, mas sei que não passou de poucos minutos, até me recompor completamente.

Naquele dia tudo foi ruim. Liguei para meu ginecologista e marquei uma consulta para o dia seguinte. Não comi quase nada e quando Mark chegou em casa, inventei uma indisposição e pedi para que ele pedisse um hambúrguer ou uma pizza para servir de jantar.

Ele me questionou várias vezes sobre o meu estado, mas eu disse que poderia ser algo que eu havia comido durante o dia e menti dizendo que começara a sentir mal no início da tarde, após o almoço.

Com os devidos "pingos nos i's", eu dormi e não vi a hora em que meu marido foi se deitar. Também não me lembro de vê-lo sair na manhã seguinte, pois quando acordei, o relógio na cabeceira da minha cama já marcava nove e meia.

Não senti muito mal nesse dia. Apenas um pequeno mal estar pela manhã. A consulta ao ginecologista apenas confirmou o que eu já suspeitava: eu estava grávida. Com o exame de sangue em mãos eu me senti presa perpetuamente ao estado em que meu casamento se encontrava. Um filho, a essa altura do campeonato me prenderia muito mais e eu viveria somente em prol da criança e do marido, esquecendo completamente da existência medíocre em que minha vida se tornara.

Eu não seria livre. Nunca mais.

Nunca mais era tempo demais para mim. Eu não poderia viver com esse peso para sempre. Foi então que resolvi tomar a última decisão em meu casamento. Uma decisão que jamais seria compartilhada com ninguém.

Já em casa, entrei na internet e fiz uma pesquisa de alguns minutos apenas e, então, comprei os itens que eu precisaria.

O abortivo chegou para mim na quinta-feira e após ler tudo sobre os procedimentos, resolvi esperar até o início da próxima semana.

No dia esperado eu fiz o que eu havia planejado. Em minha mente eu estava cometendo um crime terrível, mas a minha liberdade valeria a pena, então, eu não tinha motivos para exitar. O processo duraria dois dias e Mark nunca saberia do ocorrido.

Na terça feira à tarde eu estava no meu banheiro e me livrava da minha prisão. O que seria o meu bebê, sangue do meu sangue, estava indo embora em restos de sangue na privada e em panos sujos agora no lixo.

Eu chorei durante um bom tempo. Chorei por mim, chorei por meu casamento que não existia mais e chorei pelo filho que eu nunca teria.

Essa foi a decisão mais difícil da minha vida. O divórcio era apenas consequência de tudo que já estava acontecendo e eu não precisaria pensar muito para pedi-lo.

O pior eu já havia feito e Mark já não significava nada para mim.

Um inverno entre nós (CONCLUÍDO)Onde histórias criam vida. Descubra agora