Tre

11.1K 816 165
                                    

Comune

Passo o final de semana ignorando o George, apesar das broncas que levo de Bianca. "Não é justo com ele e nem com você", "Você precisa resolver isso", "Você ainda não terminou?". Ela quer parecer chata, mas sei que isso é uma maneira de dizer: "Olha, eu estou contigo e não abro, mas faz as coisas direito e tenta não magoar ninguém." E, bem, ela está certa, mas preciso de um tempo, não sei porque, mas preciso saber mais alguma coisa sobre Marina antes de jogar tudo ao ar.

Na segunda-feira, após passar algum tempo vasculhando o guarda-roupa, pego uma saia vermelha que é rodada e fica na altura do joelho, ainda meus sapatos Oxford beges e uma camisa estilo social branca de manga média. Deixo meus cabelos soltos e passo um batom nude. Depois de pronta, me sinto realmente bonita.

Pego minha bolsa e saio do apartamento. Ando às pressas para não me encontrar com George e vou até o ponto de ônibus. Vinte minutos depois estou na minha sala de aula. Melissa, Carolina, Sarah e Gabriela chegam depois e logo em seguida os demais alunos e o professor de Química.

As aulas passas devagar e quando finalmente chegamos na sexta e última aula mal posso acreditar. É aula de história e, como o conteúdo é interessante, não dou mais tanta importância ao relógio. Alguns minutos antes da aula acabar, Melissa me pede o caderno emprestado porque ela havia faltado na sexta-feira, lhe entrego e logo a professora Inês dispensa a sala. Me despeço das meninas e vou ao banheiro. Retoco o batom e passo rímel. Sei muito bem que ela continuará vendo apenas como aluna e ajudante, mas quero estar bonita para quando ela me olhar.

Retorno à sala. 10, 20 minutos depois e nada. Começo a achar que ela me esqueceu, mas ainda assim resolvo esperar. Coloco meus fones e a seleciono a música "Oggi Sono Io", da cantora italiana Mina. Me sento na cadeira do professor, apoio os braços e começo a cantar. Aprendi um pouco de italiano por causa dos filmes, livros e principalmente músicas. A música em questão é muito linda, o trecho que mais aprecio diz:

"E não sei porque aquilo que te quero dizer

O escrevo dentro de uma canção

Não sei nem se vai escutar

Ou ficar somente uma outra frágil ilusão

Se as palavras fossem uma música

Poderia tocar horas e horas, ainda horas

E dizer-te tudo de mim

Mas quando te vejo há algo que me bloqueia

Não consigo dizer nem como você está

Como está bem com aquela calça preta

Como está bem hoje"

No entanto, quando a música acaba, percebo que tem alguém me olhando. Miro em direção à porta. É ela, senhorita Marina. Sinto que minha pele está corada, me levanto e peço desculpas. Por que, afinal, estou pedindo desculpas?

— Não é você quem deve desculpas. Sou eu quem está atrasada. Sinto muito. — Diz ao entrar.

— Tudo bem — Falo timidamente. Agora Marina pensa que sou uma idiota. Parabéns, Ana.

— Aliás, seu italiano parece ser muito bom. — Sorrindo, toca na minha mão, mas solta bruscamente — Você tem aulas?

— N... Não, eu tento aprender sozinha.

— Parabéns, você está indo bem.

Agradeço e coro de novo. Não me levem a mal, mas ela está a me elogiar e sorrindo para mim. Ela não costumava sorrir durante as aulas e muito menos elogiar seus alunos. Esse momento é único para mim.

Senhorita Marina se senta à mesa do professor e faz um gesto para que eu pegue uma cadeira e me sente ao seu lado. Obedeço e ela pega alguns papéis na bolsa e me entrega. Explica como será o sarau e o que devo fazer. Escuto a tudo com muita atenção, apesar de às vezes encará-la por mais tempo que o normal. Ou as vezes em que, sem querer, nossas pernas se tocavam e a senhorita Marina as afastava um pouco. Por fim, depois de tudo muito bem explicado e dúvidas tiradas, nos preparamos para sair. São 15h e ela comenta:

— Sinto muito tê-la feito esperar, Clara. — Falou parando no corredor, ainda próxima a sala em que estávamos há pouco.

Espera, ela me chamou de Clara? Ninguém me chama assim. Nem mesmo gosto desse nome, mas, pensando bem, se apenas ela me chamar assim, posso acabar me acostumando.

— Tudo bem. — Com certeza a minha pele está vermelha como um tomate.

— Você mora próximo daqui? Se for longe posso te levar.

— É perto, não precisa se incomodar.

— Tudo bem. — ficamos em silêncio um instante, nos olhando, ela pressiona os lábios e eu mexo nas pontas dos cabelos. — Ehh, então, tchau. Até amanhã — Diz quebrando o silêncio. Me dá um beijo no rosto e sai.

Vou indo em direção ao ponto de ônibus, mas mudo de ideia e acabo pegando o caminho para ir a pé. Estou em êxtase, pensando em como essa despedida foi estranha, deliciosamente estranha. O contentamento invade a minh'alma, não imaginava que essa tarde seria tão agradável, os sorrisos da senhorita Marina, o seu beijo na minha bochecha. Aquele beijo que mesmo tão simples fez meu coração bater mais rápido. Uma mistura agradabilíssima de sensações me preenche por completo. Entretanto, sou tirada dos meus pensamentos quando um carro preto se aproxima de mim. A rua quase não tem movimento. O medo me domina. Aperto o passo, mas a pessoa para o carro um pouco a minha frente, abre a porta e me manda entrar.

Amar é Preciso | ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora