Ventitré

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Sinto um vento gelado transpassar o fino cobertor que cobre meu corpo e um cheiro de terra molhada adentrar minhas narinas. Me espreguiço e bocejo para instantes depois abrir os olhos e procurar por Marina ao meu lado na cama, mas não a encontro. Apoiada pelos braços, me sento na cama e olho em direção a porta que dá acesso a sacada do quarto. Em pé, encostada no batente da porta e enrolada em um dos lençóis brancos que antes estava sobre a cama, Marina observa atentamente a paisagem. Uma forte chuva está caindo e acompanhada por ventos fortes. Inevitavelmente, a lembrança de outra chuva me vem à mente: o dia em que Marina e eu nos beijamos pela primeira vez. Aquele momento é como um perfume que se fixou em minha memória.

Levanto-me enquanto envolvo meu corpo com o lençol que até então estava me cobrindo. Percebendo a minha movimentação, Marina vira o rosto em minha direção, sorri e volta a olhar a paisagem. Depois de ajeitar o lençol, vou até onde ela está e fico ao seu lado. Marina puxa meu corpo para perto de si, de modo que um dos seus braços fica em volta do meu pescoço; eu, por outro lado, deixo que um dos meus braços em sua cintura e a cabeça apoiada na lateral do seu braço.

— Está acordada há muito tempo?— pergunto após alguns minutos apenas observando a forte chuva através da sacada.

— Meia hora, mais ou menos. Assim que a chuva começou.

— No que você está pensando?

— Pensando no que eu vou fazer com isso que sinto por você. — Não tira os olhos da chuva enquanto fala — Eu não posso me entregar inteiramente a você, assim como você também não pode.

— Você disse que não se arrependeria. Não me afasta, Marina.

— Eu não me arrependi, Clarinha. E eu não vou te afastar. Mesmo se eu quisesse, não conseguiria e acho que esse é um dos grandes problemas.

— Marina — espero que ela me olhe para prosseguir — a gente se gosta, não é? Então, pelo menos agora, vamos nos permitir passar esse final de tarde juntas. Não precisamos pensar em nada agora, apenas curtir esse tempinho que temos juntas.

— Às vezes parece que você se esquece a minha situação... — balança a cabeça negativamente — mulher, professora, mãe, mais velha..., casada.

— Não, eu não me esqueço, muito pelo contrário, eu me lembro disso sempre. Mas agora estou aqui com você e quando estou com você, quero mais é que o mundo se exploda.

— Vocês, adolescentes... — A interrompo por já imaginar aonde ela quer chegar com essa história.

— Isso não tem nada a ver com ser ou não adolescente.

— Você é tão cheia de si quando fala, que chega assustar. — Sorri com o canto da boca e logo fica em minha gente, segurando-me pelas mãos — Ana Clara, pode parecer, às vezes, que eu tenho controle da situação, mas não tenho e isso me dá certo medo. Medo de me machucar e de, principalmente, te machucar. Tenho um carinho muito grande por você e a última coisa que quero nesse mundo é te causar dor.

— E você não vai — Espero — Façamos assim: Uma coisa de cada vez, com cautela.

— Desculpa por sempre ficar...

— Não há nada para se desculpar. — Quebrando totalmente o clima que se instaurava, meu estômago ronca e muito alto por sinal. — Ai, meu estômago não me deixa esquecer a fome. — Falo colocando os braços em redor da barriga e fazendo careta.

— Fome? Mas não tem nem uma hora que você comeu.

— Besta.

Minutos depois, tomamos banho e Marina sai primeiro, pois diz ter guardado a comida, já que eu dormia, e por isso, enquanto me vestisse, ela iria à cozinha e esquentaria um prato para cada uma, visto que ela também estava com fome.

Amar é Preciso | ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora