Cinque

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Marina

Me sinto horrível, uma pessoa horrível; uma profissional terrível. Como isso está acontecendo comigo? Como eu fui fazer isso? Oh, Deus, chamar uma aluna para almoçar tendo na cabeça segundas intenções? Esses malditos pensamentos impróprios que insistem em invadir a minha mente e que ultrapassam e muito os limites professor-aluno. Não posso fazer isso. Sempre condenei aqueles professores que se envolviam com seus alunos, e agora estou aqui, querendo agir como um deles. Sou mesmo uma, uma... nem mesmo consigo encontrar uma palavra para me descrever.

Me sinto como o Humbert, de Lolita, nutrindo sentimentos por uma criança. Sentimentos esses que nunca serão correspondidos. Ah, eu sou uma depravada. Sim, é isso, só pode ser isso. Já me repreendi tantas e tantas vezes, mas nada faz com que eu deixe de pensar naquela menina. Como ela tem esse poder sobre mim? Ela despertou todas as borboletas que adormeciam em meu estômago e que eu esperava que permanecessem assim. Me passa paz, confiança e um carinho enorme. Eu nem mesmo havia me interessado por outras mulheres antes... Apenas... Bem, apenas uma vez aconteceu de... Ah, apesar de tudo o que aconteceu naquela época, em nada se compara com o que sinto agora. Mas, afinal, o que quero de fato? Que ela se interesse por mim? É claro que eu quero isso, mas uma garota como ela? Provavelmente ela tem qualquer um aos seus pés, e apenas me vê e verá como a sua professora. Ah, Clarinha, o que está fazendo comigo? Uma garota como você nunca sentiria algo por uma senhora como eu. Bom, acho que você sente algo, mas com certeza não é o mesmo que eu. Talvez você sinta respeito e felicidade por poder compartilhar alguns de seus gostos com alguém.

Quinze anos. Meu Deus, ela deve ter apenas quinze anos e eu aqui, senhora, a desejando, querendo que ela sinta algo... Como você é ridícula, Marina. Sem contar que os garotos da sua turma estão sempre babando por ela, apesar das aulas terem começado a pouco mais de uma semana. Sim, eu já notei isso. Sendo tão linda como é, não duvido que tenha até mesmo um namorado... Será? Que pergunta idiota, é claro que ela tem. Por que ela não teria?

Mas uma coisa preciso admitir, a Clarinha me faz bem. Sim. Estou passando por tantos problemas, problemas que me afligem há anos, mas quando eu a vejo todas as preocupações somem, como num passe de mágica. E com isso, me permito sorrir. O estranho é que me encantei por ela assim que a vi, não foi algo esperado, foi único. Uma sensação que nunca havia experimentado. Durante as aulas, nossos olhares sempre se cruzam e me controlo para não a olhar por mais tempo que o normal.

E depois de ver que temos tantas coisas em comum, me encantei mais ainda. Ah, e depois daquele abraço. Ah, aquele abraço. Como gostaria que ele tivesse durado a eternidade. Como gostaria que ontem tivesse durado a eternidade. Meus dedos tocando aquela pele branquinha e macia, o seu cheiro... Acho que ela ficou agradecida pela tarde. Ah, Clarinha, se ao menos as circunstâncias fossem outras.

Para, para com isso. O que você está pensando? Ela é apenas uma garota, sua aluna, e você aí querendo viver um Lolita lésbico com ela. Lembre-se que Lolita não tem um final feliz.

— Professora Marina? — Ouço alguém me chamar. É o senhor Paulo, zelador do colégio — Tão precisando da sinhora lá na biblioteca.

— Quem me mandou chamar?

— A coordenadora. Ela disse que tem umas coisa errada com o tombamento dos livro.

— Tudo bem. Obrigada.

Dizendo isso, me levanto do sofá, deposito meu copo de café sobre a mesa e saio da sala dos professores para ir de encontro a coordenadora. Não há nada de errado com o tombamento dos livros, mas a coordenadora é meio paranoica e tenta encontrar erros em todos os lugares. Depois que consigo lhe explicar que na verdade ela havia se enganado e que a organização dos livros está correta, retorno à sala dos professores para pegar meu material, afinal, em alguns minutos a primeira aula começará e eu ainda precisava ir à quadra de esportes.

— Uma aluna veio procurá a sinhora inda agorinha. — Diz Paulo.

Será? Será que foi a Clarinha?

— Você sabe quem era? Ela deixou o nome? — Pergunto séria para esconder o contentamento.

— Não sei quem era porque eu não recebi o recado direto da menina, foi a Lurdes que me passou ele. — Lurdes é uma das inspetoras — Mas a menina disse que procurava a professora depois.

— Tudo bem. Obrigada mais uma vez. Até mais. — Digo pegando a minha bolsa e saindo da sala.

Sim, espero que tenha sido a Clarinha.

Vou em direção a quadra de esportes na esperança de encontrar a professora Francisca. Faço isso porque Francisca, além de dar aulas de arte, é formada em Arte Cênica e acredito que seu conhecimento em interpretação e representação será útil aos saraus que pretendo realizar bimestralmente, caso o primeiro dê certo. Além do mais, como minha amiga, não pediria esse tipo de auxílio a nenhuma outra pessoa.

Possivelmente a encontrarei na quadra porque ela sempre vai até lá para meditar antes de entrar em sala no seu primeiro dia de aula. Dessa vez estava um pouco atrasada, pois ela começará a dar suas aulas hoje, pouco depois do início do ano letivo. Isso porque ela teve dificuldades para retornar de Portugal, local onde passava as férias.

Depois de cruzar todo o colégio, entro na quadra, mas nada de Francisca. Talvez ela tivesse saído a pouco e nos desencontramos por causa de alguns minutos. Mas há uma pessoa, uma não, duas: Ana Clara e... Melissa. Sozinhas. Ok, não há nenhum problema nisso, oras, afinal, elas são amigas. Só estão ... se abraçando... Por que você está fazendo drama por causa disso, Marina? Pare com isso. Está tudo bem.

No entanto quando dou por mim, vejo que o inocente abraço se transforma em mãos entrelaçadas, testas encostadas e, logo em seguida, num beijo. Não é um beijo daqueles te tirar o ar, é um selinho, como ouço meus alunos dizerem. Mas isso é o suficiente para me deixar com os nervos à flor da pele. Melissa fala alguma coisa e depois abraça a Ana novamente. Me dou conta de que Ana está com o rosto marcado por lágrimas. Mas que merda está acontecendo aqui? Me aproximo delas e pelas suas caras noto que nenhuma havia percebido a minha presença.

— Os professores já estão em sala. — Digo rispidamente.

— Me desculpa — A pele de Ana principia a ficar corada. Não é para menos, eu também me envergonharia se estivesse me atracando pelos cantos da escola e fosse pega no ato.

— Professora, a gente só estava...

— Por que você está me dando explicações? Não me interessa o que vocês estavam fazendo. Só quero vocês na sala de aula agora!!! Os alunos não podem ficar na quadra sem permissão. E eu imagino que vocês não tenham essa permissão, não é? Me admira você, Melissa, quebrando as regras desse jeito, você nunca foi assim.

Depois disso nenhuma delas diz mais nada. Melissa fecha sua mochila e Ana coloca um caderno dentro da sua e saem. Ana ainda olha para trás, nossos olhares de cruzam mais uma vez, mas eu desvio-os. Com tantos garotos perto dela, é Melissa a pessoa que ela escolheu. Sempre achei que Melissa fosse heterossexual. O que é isso que estou sentido? Por que eu estou agindo feito uma idiota? Isso é... ciúme? Não, não pode ser. Mesmo que eu esteja interessada em Ana, nunca senti e nunca sentirei ciúmes, muito menos por causa de uma adolescente.

Depois dessa cena lamentável, me vejo obrigada a admitir: embora tenhamos alguns gostos parecidos, Clarin..., quer dizer, Ana Clara é uma adolescente cheia de gás, com amigos, uma ficante ou namorada (não sei ao certo), uma vida inteira pela frente. E nisso tudo, eu sou apenas sua professora e isso não vai mudar.

Esse sentimento tão forte que sinto por ela vai continuar aqui. Não vai passar. E só a ideia de a ver todos os dias e desejar aqueles lábios que jamais poderei tocar, me dói. Mas tê-la por perto e saber que ela está feliz me deixa feliz também. É como diz a música: "Infelizmente nem tudo é exatamente como a gente quer. Deixa chover, deixa a chuva molhar. [Mas] dentro do peito tem um fogo ardendo que nunca vai se apagar..."

Amar é Preciso | ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora