Ventisei

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Quatro pessoas sentadas numa grande mesa. Um silêncio ensurdecedor e constrangedor pairando sobre todos nós. Minha avó, sentada em uma das pontas, não tira os olhos do seu prato. Bianca age do mesmo modo, mas faz questão de evidenciar o seu desapontamento. Helena e eu apenas tentamos a todo custo disfarçar o quanto estamos envergonhadas pelo que fizemos.

Antes de terminar o almoço, minha avó se levanta e pede que Helena volte à sua casa assim que possível. A passos lentos, ela sobe as escadas que dão acesso aos quartos. Assim que perco minha avó de vista, é Bianca quem se levanta e se dirige a saída da casa. Esse é o momento que temos para conversar, senão fizermos isso agora, ela nunca mais confiará em mim novamente. Quando faço menção de seguir Bianca, Helena pede que eu fique para que conversemos sobre o ocorrido, mas trato de evitar.

— Agora não dá. — Me preparava para sair quando ela volta a falar.

— Quando conseguiremos falar sobre? Adiar para que?

— Pelo amo de Deus, Helena, depois.

Saio de casa às pressas e alcanço Bianca quando ela entra no velho carro de minha avó. Me sento no banco do carona e Bianca começa a dirigir em total silêncio. Em determinado ponto, ela estaciona o carro, respira fundo e me diz decepcionada:

— Às vezes me pergunto se te conheço mesmo, sabe? Essa Ana Clara de agora... eu não conheço... não conheço. Em que momento das nossas vidas a gente se perdeu uma da outra? O que mudou, Ana Clara? Só porque você é lésbica, não significa que tem que fazer merda o tempo todo. Transar com a sua prima e sob do teto da sua avó? Você não pensa em como isso é repugnante?

A cada palavra de Bianca, um nó enorme vai se formando em minha garganta.

Mais cedo, ao acordar, senti o peso de um corpo sobre o meu. A cabeça de Helena estava sobre meu peito e as mãos em minha barriga. Nuas, completamente nuas. Confusa com a situação, tentava entender o que acontecia quando ouvi um grande estrondo atrás de mim. Helena, que acordara apenas por causa do barulho, e eu olhamos assustadas em direção a porta e vimos que nossa avó acabava de adentrar o cômodo e deixara a bandeja com o café da manhã ir ao chão.

Pela primeira vez em minha vida, vi a raiva nos olhos de minha avó. A passos rápidos, ela foi até minha cama, puxou Helena violentamente pelo braço e a tirou de dentro do quarto. Eu, estática, tentando ainda assimilar a burrada feita na noite anterior, não me dei conta, mas Bianca estava em casa e presenciara toda a cena. Bianca simplesmente saiu de perto.

Mas tarde, conversando com minha avó, tomo ciência de que ela já sabia que Helena era homossexual. Ela não via problema nisso, apenas ficou desapontada com a neta porque era a terceira vez que fazia isso, transar em sua casa. Quanto a mim, ela apenas pediu que não fosse tola como Helena e conversasse com minha mãe. No mais, a sua chateação era mais pelas atitudes de Helena e não pela minha.

— Eu sei que fiz merda e não estou orgulhosa, Bianca. Desculpa. Eu te amo demais e não queria te decepcionar.

— Não foi só a mim que você decepcionou, mas a vovó e espero a si mesma também. Você não está namorando, ficando com uma garota lá em São Paulo? Você pode não me falar, Ana, Clara, mas sei que você não é santa, não me surpreenderia se me dissesse que já transou com a garota ruiva. A questão é: Para que transar com outra pessoa?

— Eu já tinha transado sim com a garota de São Paulo, só não te falei porque achei que não era necessário... Se não estivesse sob o efeito do álcool, eu jamais teria transado com Helena.

— Será, Ana? Foi para isso que você atravessou o Atlântico? Para se embebedar e dormir com a sua prima?

— Eu jamais faria algo desse tipo se estivesse consciente. Me perdoa, Bianca.

Amar é Preciso | ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora