despertar

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Ele também não sabia com exatidão. Nunca saberia explicar em palavras todas as coisas que sentiu naquele momento.

Porque quando você se permite sentir, não existe um botão para filtrar apenas a parte boa.

Mason nunca se sentira tão vivo como nos últimos dias. Emma fez isso. Trouxe toda essa vontade de fazer as coisas fazerem sentido. Sentido. Porque é preciso sentir.

Faz parte em estar vivo sentir tudo, até a dor. Principalmente a dor. Porque ela é a melhor professora que se pode ter.

E naquele momento doeu como nunca.

Porque quando Emma disse que tinha medo da verdade, os ponteiros do relógio de seu peito voltaram a girar. Ele morria de medo também. Os porquês que Emma tanto temia atormentam Mason desde muito cedo.

"Por que eu não tenho pai nem mãe? E por que eu moro com meus tios? E por que eles não dizem nada? Por que eles nunca mostraram foto da minha mãe? E por que não falam dela nunca? Por que a família finge que eu não sou o moleque sem pais? O que há de tão obscuro por trás do meu nascimento que ninguém quer falar sobre ele?"

Com o tempo, teve medo da resposta. Parou de perguntar. Era melhor assim. Na verdade, se falassem qualquer coisa, fugiria. Porque não podia. Não. Não. Não.

No final, o que doía mais era saber o que tinha roubado todos aqueles momentos dele. Saber o porquê de a vida ser como era. Saber por que os pais não quiseram ou não puderam ficar com ele.

Porque não ficaram. E isso doía. Porque rejeitaram o garotinho pequeno de olhos azuis logo quando nasceu. Deram para outras pessoas. Como quem ganha uma blusa e dá pra alguém porque não gostou. Porque não gostou da cor. Do tecido. Simplesmente porque não combinou. Simplesmente porque é descartável.

Saber o porquê o deixava em estado de choque. Fugiria disso. Dessa verdade tão doída.

E Emma ia dizendo, ia contanto. E ele ia sentindo tudo que não se permitiu sentir antes.

Era tão ou mais covarde que ela. Porque não sabia os porquês de sua própria história. Não sabia dizer o que tinha feito com que se tornasse aquele cara sozinho que não sabe amar.

Era evoluído demais ou decadente demais?

Amor é retrocesso ou evolução?

Não tinha como ser retrocesso. Porque amor era algo que ele não tinha. E talvez fosse isso que faltasse... Talvez fosse por não tê-lo que sempre se sentiu tão perdedor. Porque nasceu perdendo.

E não sabia o porquê. Escolheu não saber.

E agora Emma estava ali. E chorava como ele. Porque suas dores eram parecidas. E foi bom. Porque ele se sentiu, depois de muito tempo, compreendido por alguém.

E ela podia ter morrido. Podia ter partido de propósito quando viu aquele caminhão vermelho. Mas não o fez... Céus! Ainda bem que não fez. Porque ela o tocou de um jeito que ninguém tocou antes. E era tudo... Ela lhe devolveu muitas das coisas que tinha perdido.

Queria conseguir parar de chorar e dizer pra ela que tá tudo bem. E que ele entende. E que tá ali com ela agora. Mas não conseguia... Tinha coisa demais pra ser chorada ainda.

E então ela diz como foi ver Louis morto. E então Mason lembra como foi ver o corpo do tio ser levado, em vão, para dentro da ambulância, na tentativa de salvá-lo.

Esperando por um milagre que nunca aconteceria. Nada traria ele de volta.

Sentiu-se tão ingrato. E sentia-se um monstro. Porque nunca disse eu te amo depois de grande a ele, que, independente do que aconteceu, ficou com ele. E cuidou dele. Ele não tinha pai nem mãe, mas tinha alguém. Tinha dois alguéns que estiveram sempre ali, mas ele não parou para agradecer. E a lembrança da tia, chorando ao ver o marido morto. E ele ali, desaprendendo a chorar. Era tarde demais para aprender.

A vida era um saco. Tinha algo errado com ele. E ele só queria esquecer disso. Queria não lembrar que tava todo quebrado por dentro. E que tinha uma alma defeituosa e problemática. Só esquecer de tudo isso.

Uma vodca. Mais uma. Uma tequila, por favor. Me traz a mais pesada. Aquelas baratas e amargas que só bebe quem quer esquecer alguém. Me traz um anestésico pra nunca mais sentir porra nenhuma.

E agora aprendia de novo. Aprendia a chorar feito criança. E a sentir. Sentir qualquer coisa.

E como era bom ter a garota dos olhos de noite ali com ele, tornando toda aquela avalanche de emoções mais suportável.

Era tanto pra sentir. Era tanta coisa adormecida.

Enquanto ela tirava o peso dos ombros, ele finalmente enxergava os dele. E agora sim, estava pronto para largá-los.

Os conflitos despertaram. A vida não era mais uma linha reta.

De algum jeito, no final de todo aquele choro e toda aquela dor, ele viu luz.

Esperança. Talvez... Talvez as coisas fossem diferentes agora.

— Vai ficar tudo bem... — disse, pegando o rosto dela com as mãos.

— Eu sei... — segurou as mãos dele — Obrigada.

Seus olhos se encontraram. E então ele contou tudo pra ela. 

Era um pedaço dele que ninguém tinha.

Uma História Sobre RecomeçosOnde histórias criam vida. Descubra agora