perdoar

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O colesterol alto pode ser fatal se não for cuidado como deve.

Louis nunca contou a Emma sobre isso. Mesmo no começo, quando se conheceram e é normal falar dessas coisas. Na verdade, nunca contou a ninguém. Seus pais só sabiam porque tinham descoberto junto com ele.

Louis não gostava de preocupar as pessoas. Não gostava de sentir o olhar de pena delas sobre ele. Ele não era nenhum coitado. E nenhum santo. Por isso escondeu tanta coisa mesmo Emma sempre prezando a sinceridade.

Foi uma escolha que ele fez para protege-la dela mesma. Era fase de vestibular. Ela estava estudando feito louca para entrar numa boa faculdade. Precisava focar em si mesma porque era inevitável: ele morreria mas ela não. A vida dela continuaria e ela precisava construir seu caminho.

Por isso a pediu em casamento. As dores aumentaram mais rápido do que ele esperava. Ele tinha pouco tempo.

A amava. Muito. Tentou ficar sozinho pra não rasgar ninguém quando se fosse, mas foi impossível querer ficar sozinho depois de conhecê-la.

Ficou sabendo que uma hora iria. Mas faria valer à pena e aquilo era uma promessa. Se fosse para machucá-la quando morresse, faria até o impossível para que tudo que viesse antes da morte fosse inesquecível. Daria o mundo a ela para que o lado bom fosse maior que o ruim.

E ele fez isso muito bem. Foram os melhores anos da vida dela. E da dele. Às vezes ele até esquecia que tinha os dias contados.

A morte era seu melhor combustível. Se preocupou tanto com Emma que acabou esquecendo dele mesmo. Por isso não deu tempo de casar. Por isso não foram a Grécia. Por isso não tiveram filhos. Porque ele escolheu assim.

— Como cuidar de alguém quando você não cuida de si mesmo?

Emma disse com os olhos cheios de lágrimas, após ouvir a frase "colesterol alto"

— Você é medica. Sabe como o aneurisma da aorta funciona... O aneurisma evoluiu por anos, em silêncio, mas sua rotura ocorreu naquela manhã.

Engoliu em seco.

— Seus últimos segundos aqui não foram tranquilos. Dor abdominal e talvez torácica. Taquicardia e hipotensão arterial  — Emma disse, fria.

Seus punhos fecharam. Com raiva.

— Nos últimos segundos aqui, ele estava desesperado.

Jerry, notando a raiva em seus olhos, imediatamente disse:

— A maioria das pessoas morrem desesperadas. No final, o que realmente importa é a vida e todos os momentos em que a tranquilidade reinou.

— E mesmo podendo morrer a qualquer momento, Louis era tranquilo. Você trazia tranquilidade a ele até na ideia da morte.

Seus punhos afrouxaram.

— Um dia ele disse que já tinha vivido tudo o que queria. E que se morresse, iria feliz... — ela disse, agora com um tom choroso.

Esse foi Louis, avisando que partiria logo.

— É correto entender que ele quis morrer? Que ele não fez nada pra impedir?

Morgan suspirou.

— Talvez.

Os olhos dela secaram os dele. No fundo ela esperava uma resposta diferente.

— Isso incomoda você, Emma?

Odiava (amava) como Morgan conseguia ser seu terapeuta.

— Incomoda. Ele escolheu me deixar.

Estava magoada. Ferida. E agora via como Louis a furou pelas costas de modo que perfurasse seu coração, a matando lenta e dolorosamente.

— Se ele soubesse que você reagiria dessa forma, eu tenho certeza que ele não teria ido. E tentaria viver até mais do que você, só pra que você não tivesse que vê-lo partir.

— Ele escolheu te deixar, Emma, porque sabia que você era forte e que merecia mais do que alguém que já estava satisfeito — Jerry disse tentando toca-la nas mãos.

Ela suspirou irritada e impediu o toque.

— Eu também estava satisfeita! E nem por isso eu quis morrer!

— Você está sendo injusta. Louis cresceu sabendo que a morte chegaria. E isso o motivou a fazer tudo que queria, incluindo ignorar a timidez e ligar pra "garota mais linda que ele já viu" e pedir pra namorar com ela depois do segundo encontro. Tudo, Emma, tudo que ele fez e foi, tinha o peso da escolha dele ali. Ele não seria ele se não fosse a morte.

Começou a chorar. Droga! Por isso ele era tão espontâneo.

— Talvez eu esteja sendo egoísta. Eu sei que ele teve a vida que queria ter e eu fico muito feliz por ele, mas...

— Você queria mais dele. Mais dias. Mais tempo. Você queria uma vida inteira com ele. Ele queria o mesmo. A diferença é que a vida de Louis foi bem mais curta que a sua e ele sabia que seria assim.

Estava brava consigo mesma por estar brava com ele.

— A coisa que eu mais gostava no Louis... — fungou — É que ele dizia que me amava toda vez que isso passava pela cabeça dele. Ele nunca se prendeu. E agora eu sei porque ele fazia isso. Ele tinha medo de não ter tempo...

Jerry a tomou nos braços.

— Também queríamos mais tempo, Emma. Não queria ter que enterrar meu filho.

O olhou, desesperada. Eles eram tão fortes...

— Como vocês aguentam?

— Eu penso que ele foi feliz e que escolheu isso. Eu sempre respeitei as escolhas dele. E eu entendo. Nós entendemos... — Morgan disse acariciando seu rosto. — Poucas pessoas têm uma vida feliz e satisfeita. Somos muito gratos por termos feito parte disso.

— Eu também...

Os três se encaixaram num abraço choroso.

— Ele nos deixou você, Emma. E um dia nos fez prometer que cuidaríamos de ti quando ele fosse — Jerry começou.

— Então nos deixe cuidar agora. Está bem? — Morgan terminou.

— Vocês são minha família. Vamos cuidar uns dos outros agora.

Beijou a testa deles. Um de cada vez.

— Amo vocês. Muito.

— Amamos você também, querida.

Uma parte dela renasceu. A parte que sabia perdoar.

Perdoou Louis. E, em breve, perdoaria a si mesma.

Uma História Sobre RecomeçosOnde histórias criam vida. Descubra agora