conversar

36 3 0
                                    

Dia de semana. Dia que Mason usava social e penteava o cabelo. Dia que não podia estar bêbado. Dia que não ia dormir tarde porque tinha que acordar cedo na manhã seguinte para viver esse dia mais uma vez.

Mason trabalhava com TI. Era algo que ele sabia fazer e fazia bem. Não era divertido. Trabalhar era uma droga. Mas precisava do dinheiro. E tivera sorte em conseguir um emprego desses, era o que dizia a si mesmo. Não chegava a ser massante, mas seus dias passavam sempre no automático quando tinha que trabalhar.

Acordava às cinco e por incrível que pareça, era sua parte favorita. O céu estava escuro e ele se sentia na noite. Saía da empresa dezoito e meia da tarde. Pegava o metrô para voltar pra casa e no caminho se sentia, sempre, muito diferente dele mesmo.

Talvez fosse toda aquela camuflagem sobre ele, escondendo quem ele era de verdade. No meio daquela gente — algumas vestidas como ele, outras não — ele se sentia um fantoche.

Vestindo o que não queria. Era como se fantasiar de alguém. Um alguém que não era ele.

E por mais que não gostasse de si mesmo, era estanho ser alguém que não fosse ele. Era em momentos como esse que sua mente bagunçava e ele pensava que gostava de ser o horror que era. Não queria gostar. Não queria gostar porque ele não era bom e a gente só deve gostar de coisa boa.

Como Emma.

Sorriu, enlatado como sardinha entre aquelas pessoas todas.

Emma era gentil, naturalmente. Não era um esforço. Lembrou de quando ela fez questão de falar com o porteiro, Timody, naquela madrugada.

Ele não faria isso. Nem pensaria em fazer. Eram tão diferentes... Ela era mágica e ele, truque barato.

Gostava de pensar em Emma. Não era assustador. Era reconfortante. Ela era esperança num mundo melhor. Era o tipo de pessoa que você conhece e pensa "as pessoas deveriam ser mais assim".

Olhou as horas no celular. Lembrou da conversa que teve com Lexa, uma garota com quem ficou por um tempo. Ela sofria pelo ex na época. Disse a Mason que quando se está apaixonado você não para de pensar na pessoa, em vocês dois juntos, no toque, na vontade, no carinho.

E ele, de fato, pensava muito em Emma. Era quarta-feira e ele queria fazer uma visita. Não sabia por que não tinha ido ainda.

Pensava mais em Emma do que já pensara em qualquer outra garota na vida toda, mas não se parecia com a descrição de Lexa. E ela era o tipo de garota que sabia dessas coisas. Emma também. Mas por algum motivo, Emma não queria mais saber disso,, de se apaixonar. Seria o noivo morto? Ele fez Emma desistir assim como o ex de Lexa a fez dizer que desistiria?

Como é estar apaixonado? Não sabia. Nunca tinha desenvolvido esse tipo de sentimento por alguém. Perguntaria a Emma quando chegasse em casa. Não. Em casa não. Porque não queria falar pelo telefone. Queria ver as expressões dela. E capitá-la em cada gesto.

Olhou para a porta do metrô, que se abriu para que entrassem e saíssem. Mais gente. Mais aperto.

Uma garota ruiva de olhos azuis foi parar de frente a ele. Os corpos praticamente grudados. Ela era baixa. E ousada. Ficou olhando pra ele, bem nos olhos.

Ela tinha peitos enormes mas ele não seria o "escroto do metrô". A olhou nos olhos também. E eles mostravam desejo.

— Oi — ele disse.

— Você é bonito.

— Você também.

A garota olhou em volta e com esse gesto ele entendeu que ela era apenas uma mulher tentando se divertir. E ele adorava esse tipo de diversão.

— Quando você desse? — perguntou a ele, se aproximando mais.

O corpo dela finalmente se encostou no dele.

— Próxima estação. Quer vir comigo? Minha casa não é longe.

Ela sorriu. Conseguiu o que queria. Ele também.

Transaram por uma hora e depois ela foi embora, sem dizer nada.

Acabaram. Ela levantou. Pegou a calcinha e a saia que tirara. As vestiu na mesma velocidade que as tirou. Disse um "valeu" e foi embora.

Mason acendeu um cigarro e ficou pensando, enquanto fumava.

Ela devia estar querendo muito transar com qualquer um. Só tirou as roupas de baixo. Queria logo sentir alguma coisa entrando dentro dela. E tirou rápido. Antes dele. Mulher decidida. Sabia bem o que queria.

Mason gostava desse tipo de garota. Não porque elas o satisfaziam, mas porque permitiam satisfazer a si próprias. Mulher às vezes só quer transar, sem sentimento, igual homem. Somos todos animais. E tudo bem.

Por que esse tabu, afinal? Animais não têm isso. A sociedade pensante que cria esse monte de regra ridícula e espera que todo mundo siga. É sem fundamento! Por que as pessoas precisam fingir que não transam? Por que sexo é "errado"? Não é graças a ele que o "milagre da vida" acontece? Não é graças a ele que muita mulher geme e não é de dor? Sexo é ótimo. Não deveria ser proibido dessa forma.

Esse tipo de pensamento merecia ser compartilhado. Ligou para Emma e contou tudo a ela. Foi logo dizendo. Sem delongas. "Acabei de transar com uma garota aqui e comecei a pensar" foram suas primeiras palavras. E ela o ouviu, atenta. Ouviu todas as críticas entaladas na garganta daquele projeto de filósofo e disse palavras bonitas, como "sim!" e "exatamente!". Pensavam da mesma forma.

— Eu confesso que fiquei aliviada. Tinha medo de você ser aquele cara que come todas e depois fala que elas são fáceis, sem valor e indignas.

— Cuspir no prato que comeu é coisa de criança. Eu quero transar, elas também. O que há de mal?

Ela riu, pensando em sua vida.

— Sabe? Eu perdi minha virgindade com meu ex e fiquei muito tempo com ele. Sempre me vi transando com uma pessoa só e depois que ele se foi, tipo, bem depois mesmo, eu liguei o foda-se e vi sexo como algo... Como dizer? Como algo corriqueiro, comum, sem grandes significados.

— Então você basicamente se tornou uma "eu".

— Tipo isso, mas sem garotas. Se bem que...

— Não acredito! — riu — Emma Alihür já beijou uma garota?

— Foram poucas vezes. Não sei bem como é isso. Se der vontade, tô lá.

Passaram um tempo falando sobre a sexualidade confusa de Emma. Depois Mason contou como foi que deu um selinho em seu amigo, quando bêbados. Contaram algumas histórias. Emma pediu para que contasse como eram suas saídas noturnas. E ele contou. E ela ouviu. Riu. Gostava do mundo turbulento dele. Era diferente do dela.

Cada um em sua própria cama, mas pareciam estar colados. Queriam estar. Queriam estar lado a lado para tapar a boca um do outro quando rissem alto demais. E para se beijarem, de vez em quando.

E foi assim quase todos os dias de semana daquela semana — das outras que vieram depois também. Ela chegava. Depois ele. Ligavam um ao outro e se sentiam perto. As noites eram menos solitárias. Eram a distração um do outro. Eram amigos. Falavam de tudo. Às vezes falavam coisas que amigos não diziam. Não eram bem amigos-amigos. Pois amigos de verdade não se queriam daquele jeito.

Eram diferentes, sim. E pra quem disse que o diferente viria a se tornar empecilho, que durma ao som da risada de Emma, ao escutá-lo tagarelar a noite toda.

Uma História Sobre RecomeçosOnde histórias criam vida. Descubra agora