olhar

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Era o último dia de hora extra da Emma e também era sexta feira.

Ela tinha trabalhado até às duas da manhã e naquele momento, às três e dois, voltava para casa, caminhando pela avenida que morava.

Emma tinha o olhar vago enquanto andava sob suas botas de camurça. Estava pensativa, mas ao mesmo tempo atenta: nenhuma mulher gosta de andar sozinha à noite.

Começou a fazer-se questionamentos sobre a janela do prédio cinza que ficava na esquina. Nele, havia apenas uma janela com a luz acesa. A segunda janela do último andar.

Emma se perguntou o que estaria fazendo, o morador daquele apartamento.

Podia estar lendo um livro. Mas qual?

Podia estar assistindo a um filme ou a uma série. Mas qual o gênero?

Podia estar com alguém. Quem? Será que estavam se aninhando, rindo, discutindo ou transando?

Podia ser um adolescente triste, olhando o teto, já cansado de tentar dormir. Qual a mágoa do garoto? O que o fazia perder o sono?

Podia, também, ser alguém que simplesmente esquecera a luz do quarto acesa por estar cansado demais. Adormeceu sem perceber. O que o deixara tão cansado? A vida ou o trabalho?

Podia ser alguém com medo do escuro. Uma criança. Qual seu nome?

Emma sorriu. Gostava de crianças.

Desejou poder abraçar a criança com medo do escuro. Queria poder dizer que ficaria tudo bem e que tudo que existe no escuro, existe também no claro.

Emma parou em frente à faixa de pedestres. Olhou para a direita e depois para a esquerda. Não viu nenhum carro. Atravessou.

Já na outra calçada, olhou de novo para o prédio cinza da esquina, agora bem longe dela.

A luz tinha se apagado ou ela estava longe demais para ver?

Quando voltou a olhar para frente, viu, sentado na escadaria de seu prédio, um rapaz.

Ele era loiro. Parecia alto, mas estava sentado e ela não podia ter certeza. Acendia um cigarro, o mesmo já entre seus lábios. Era Mason, mas ela ainda não sabia seu nome.

Enquanto andava, o olhava.

Ele tragou. Emma achou a cena muito bonita, diria até que achou sexy. Apesar de não fumar, pareceu um ato interessante. Talvez um cara tão bonito como ele conseguisse deixar qualquer coisa interessante.

Ela andava com as mãos dentro dos bolsos de seu sobretudo preto. Por baixo usava uma camisa social branca e calças pretas, roupa normal, que não combinava com ela. Seus cachos estavam soltos e o vento contra ela fazia com que seu rosto ficasse bem evidente. Ela se sentia bem assim. Ao menos os fios não estavam invadindo sua boca como acontecia no caminho de ida.

Mason olhou pra ela, chegando cada vez mais perto.

Ela tinha um olhar avoado, mas de vez em quando olhava para o prédio que ele escolheu para encontrar seus amigos, então imaginou que fosse entrar nele.

Estava certo. Ela passou por ele, andando devagar, sem pressa, plena, estava em casa.

Era cheirosa.

Ele sorriu, virando o pescoço para olhá-la de costas. Andava bem, parecia segura.

Ela entrou na recepção e virou para a direita. Dois segundos depois, voltou.

Tinha ido dizer "boa noite" a Timody, o porteiro. Agora iria para a esquerda, onde ficava o elevador.

Enquanto ia para o lado certo, olhou pra rua, esperando ver as costas do fumante bonito. Se surpreendeu. Ele estava olhando. Não parou de olhar quando a viu. Ela tampouco. No espaço visível entre Timody e o elevador, eles fitaram um ao outro. Ambos curiosos.

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