sonhar

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Neblina. Um céu estrelado no fundo. Era como estar voando dentro de constelações. Mas não há neblina no céu, há?

Ele pareceu não perceber que isso estava errado na hora.

Continuou andando, mesmo sem ter chão para pisar.

Olhou para suas mãos. Pequenas. Mão de criança. Era o Mason de sete anos?

O céu estrelado foi ficando mais claro e imagens passaram a aparecer e pegar cor.

Dois vultos brancos falando com o tio. Tinham um pacote nas mãos.

Mason não queria mais assistir àquilo. Pois reconhecia os vultos brancos. Já tinha os visto em outros sonhos, sonhos sonhados há anos. Sabia o que tinha no pacote.

Então olhou para trás e as constelações começaram a se mexer, até que se alinharam, formando o rosto de Miranda, aquela garota que lhe disse o porquê de ninguém gostar dele.

Ela riu. Parecia feliz.

— Eu sei porque seus pais não quiseram você, Mason!

E mais risada.

— Eu não ligo!

Tapou os olhos como uma criança assustada — ele literalmente era uma.

Sentiu vontade de chorar. Mas não choraria. Não. Nunca mais. Não por eles...

Quando tirou a mão dos olhos, olhou em volta e não viu nada além da solidão.

— Tio Greg? — chamou, mas ele já tinha ido embora.

— Tia Lauren? — a voz de choro era nítida.

A mulher apareceu. Ruiva. Olhos castanhos como uma noz. O cabelo ondulado caindo sobre os ombros. Olhar compreensivo. Estava tão jovem e bonita...

Mason sorriu. Ela parecia feliz.

— Mason... Meu pequeno, você já devia estar dormindo.

Colocou as mãos na cintura. Fez cara de brava mas ele sabia que ela estava brincando.

Estavam no quarto dele, de repente. O cheiro da torta dela entrava pelo corredor e invadia suas narinas com delicadeza.

— Mas está de manhã! — disse risonho.

Ela o pegou no colo e fez cócegas na barriga dele. Deu beijinhos em seu cabelo loiro amarelado. Os dois riam e sorriam. Ele fechou os olhos por um instante e tudo mudou.

Já não estava no colo dela ou em seu quarto antigo. Estava na rodoviária. Sozinho. A passagem azul e branca nas mãos. Já não era uma criança.

"Destino: Los Angeles, Califórnia."

Estava fugindo. Era aquele dia. O dia em que escolheu deixar tudo para trás.

— Você também me deixou quando foi embora, Mason!

Lauren disse, aparecendo do nada. Estava velha agora. Os cabelos sem cor, lisos, escorridos pelo rosto. A pele seca. Olheiras fundas. Um olhar triste.

— Eu precisava...

Tentou se explicar mas nem ele acreditava mais em suas desculpas.

— Você foi covarde, Mason — Miranda reapareceu, sendo mais uma vez a dona da verdade. — Perdeu a única pessoa que foi boa pra você e, diferente do seu tio, você escolheu isso! Escolheu morrer pra ela. Você é um covarde ingrato.

Miranda era cruel. Não por ser ruim de nascença, mas porque a verdade é mesmo maldosa.

Ele engoliu em seco. Ficou com raiva dela.

— Por que você tem de me dizer isso?! Por que você tem que saber de tudo e dizer tudo?

Ela riu. Aquela gargalhada machucava.

— Ainda não percebeu que está sonhando? Sou só uma manifestação da sua mente. Você me escolheu para ser a dona da verdade porque talvez eu tenha sido a única pessoa que foi sincera com você.

Franziu o cenho. Se aquilo era um sonho...

O tio apareceu. Sorrindo.

— Eu sinto sua falta — ele disse sem pensar duas vezes.

Foi correndo até ele, que sorria de braços abertos para recebê-lo.

Mas quando chegou perto, ele sumiu feito fumaça.

— Não tem tanto poder sobre sua mente como pensa que tem — ela continuava.

— Cala a boca!

Odiava a voz dela. Odiava ela estar ali. Odiava estar sonhando com todas aquelas coisas.

— É você quem está falando, idiota. Não pode calar os próprios pensamentos.

E então Miranda se tornou Mason. Um Mason acabado. Magro. Doente. Assustador.

— Ainda bem que você chegou.

Se encararam.

— Eu me sinto sozinho — disseram ao mesmo tempo.

O Mason real com tristeza e o outro com morbidez.

O Mason doente caminhou até uma mesa de madeira que surgiu em um canto qualquer. Cheirou as duas carreirinhas de cocaína que estavam sobre ela.

Tempos remotos.

— Você parou com isso. Foi só naquele tempo. Por que está fazendo isso de novo?!

Tentou impedi-lo de cheirar a terceira, mas foi empurrado com força para longe.

— Desde quando você se importa comigo? Ou devo dizer... Consigo mesmo?

— Eu... Eu...

Não conseguia responder. Algo o impedia. Ele mesmo se impedia.

— Eu quero sumir — o outro continuou — mas você continua me mantendo vivo. Droga! Por que você não...  — começou a tossir — Por que você...

Tossia muito. Desenfreado.

— Já chega!

Seu grito ecoou em todos os cantos invisíveis daquela constelação.

Era hora de acabar com aquilo.

Abriu os olhos. Acordado novamente. De volta ao mundo real.

Estava na cama dela. Emma dormia ao seu lado, tranquila.

Levantou apressado. Mas tomou cuidado para não acordá-la. Foi até a cozinha. Abriu a janela. Acendeu o cigarro. Colocou entre os lábios. Tragou. O veneno o mantinha vivo.

"Que merda foi essa?" pensava sem parar.

Não era do tipo que lembrava de sonhos, mas sabia que esse, ele nunca esqueceria.

Estava apoiado no balcão. Olhava a janela do prédio vizinho. O coração ainda batia forte. As imagens se repetiam sem parar. Aleatoriamente. Estava começando a ficar com medo.

Mas aí os braços dela se encontraram delicada e cuidadosamente em volta do pescoço dele. Seguidos por seus lábios, que beijaram ternamente as costas brancas do rapaz.

Mason apagou o cigarro nos dedos e segurou a mão dela, tentando retribuir toda sua gentileza.

Não disseram nada. Só ficaram ali.

E ninguém sabe o que foi que despertou Emma e a atraiu para cozinha. Ou o porquê d'ela aparecer no momento certo com os gestos certos.

Mas se sabe que foi a primeira vez que Mason não usou a nicotina para acalmar os nervos. O toque dela foi suficiente.

Ela era suficiente. E já fazia tempo.

Uma História Sobre RecomeçosOnde histórias criam vida. Descubra agora